I will wait for you
Sarah estava ajudando o seu pai a
acender a churrasqueira quando a campainha ecoou, fraca, através da casa. Por
sorte, a porta para o jardim ficava de frente para a porta de entrada, ambas
situadas na sala. Com a porta aberta, era possível escutar a campainha, mesmo
cá fora. Sarah apressou-se na direção da porta principal, mas Louise, que
estava brincando na sala com Theresa, adiantou-se-lhe.
- Mas olhem quem é! Olá, olá –
Louise dizia, enquanto cumprimentava ambos os pais de Taylor e sua cunhada,
juntamente com sua sobrinha. Eles
adentraram a casa, um por um, onde foram cumprimentados novamente por Sarah,
que segurava Theresa. Ambas as meninas, já amigas, apressaram-se a fugir juntas
para a beira dos brinquedos de Theresa, enquanto os mais velhos conversavam
sobre amenidades.
- Trago aqui a minha melhor
especialidade – Marie dizia e piscava, referindo-se à enorme travessa que
segurava, certamente cheia do seu mousse famoso entre a família. Peter também
segurava uma garrafa de vinho e, portanto, Louise encaminhou-os para a cozinha,
onde se reuniam todos os preparativos para o churrasco. Sarah e Jana, cunhadas
e também amigas, ficaram para trás, junto das crianças.
- O que aconteceu com Taylor e
Justin? – Sarah estava extremamente curiosa, visto que esperava que ambos
tivessem chegado com o resto da família. Jana encolheu os ombros.
- Justin não me disse nada, apenas que os dois tinham que ir
algures. Confidencialidade de nível 0 – Jana acrescentou, referindo-se ao
código que era comum não só entre os quatro, mas também entre o resto da banda.
Com praticamente todos os amigos namorando dentro do próprio grupo, tornava-se
difícil guardar qualquer tipo de segredo. Então, tinham criado um código de
confidencialidade: o nível 2 significava que todos podiam saber, menos a pessoa
a quem dizia respeito a surpresa ou o segredo; o nível 1 permitia partilhar o
segredo com o respetivo parceiro, mas não com mais ninguém; o nível 0 requeria
confidencialidade total, não podendo
o segredo ser contado sequer ao companheiro e, na verdade, era um caso raro.
Isso, claro, contribuiu para aguçar a curiosidade de Sarah.
- Espero que seja algo
inofensivo, nesse caso – ela concluiu, piscando para a cunhada. Esta riu, e
ambas passaram a conversar sobre o trabalho de Jana como web designer, sendo que ultimamente ela vinha ajudando um número
crescente de bandas a lançar-se no mundo cibernético. Sarah, pelo seu lado,
estava tecendo planos para possivelmente escrever uma reportagem sobre essa realidade.
Entretanto, a campainha voltava a
fazer-se ouvir, tendo Sarah, agora mais perto da porta, atendido imediatamente.
Surgiram um Jeremy e uma Katt extremamente animados, também eles carregando uma
travessa que, segundo Jeremy, continha uma grande quantidade de macarrão com
queijo.
- É um prato fácil, mas apreciado
por todos! E um ótimo acréscimo a qualquer churrasco – ele terminou a
publicidade esboçando um largo sorriso branco. Katt revirou os olhos e adentrou
a casa.
- Ele precisou da minha ajuda para
não deixar queimar. Eu teria feito outra coisa, mas você sabe como isso é
impossível num quarto de hotel, sem cozinha e tudo o mais – Sarah riu e
agradeceu, enquanto Jana cumprimentava o casal. Ela e Justin também moravam em
L.A., pelo que costumavam dar-se com o grupo e ela já os conhecia, talvez até
bem demais.
Sarah encaminhou todos até à
cozinha e, depois, para o jardim, trazendo consigo também as crianças, que se
mostraram bastante entusiasmadas por finalmente poderem correr livremente pelo
jardim. O baloiço que antes estivera em L.A. agora estava montado ali, e
Allison, quase rebentando de felicidade, sentou-se nele e colocou Theresa no
seu colo, andando com menos força do que aquela que gostaria, mas ciente de que
tinha que ter os cuidados certos para não magoar a mais pequena. Allison
tratava e adorava Theresa como uma irmã mais nova, pelo que sempre pedia para
viajar com os tios quando eles voltavam a Franklin. Assim, nesse exato momento,
não podia estar mais feliz.
A campainha voltava a indicar a
chegada de mais pessoas e, dessa vez, Sarah abrira a porta para se deparar com
Lisa. O abraço apertado foi imediato, visto que as duas já não se viam há algum
tempo – mesmo falando, pelo menos, todas as semanas. Sarah sabia de
praticamente tudo o que acontecia com Lisa e vice-versa, o que impedira sua
amizade de se desvanecer com o tempo. Porém, conhecendo bem a amiga, Sarah
também sabia das coisas que Lisa se recusava a admitir em voz alta, pelo que
bastou um único olhar para ela para reconhecer a pequena tristeza instalada no
fundo dos seus olhos. E tinha até um palpite sobre o que isso significava. De
repente, mal pôde esperar que Jane chegasse.
- Então, meu amor, chegou bem? –
Sarah questionou a amiga, tentando obter mais informações sem ser demasiado
óbvia. A última vez que falara com Lisa tinha sido no dia anterior, antes de
ela pegar o avião de Salt Lake para Franklin. Ela parecia bem animada então.
- Sim – Lisa respondeu,
suspirando – correu tudo bem. Ontem à noite, fui até Nashville com os meus
pais. Aliás, eles foram estacionar o carro, não me pergunte porque estão
demorando tanto.
Sarah assentiu, feliz por rever
os pais de Lisa, Kate e James. Kate era uma verdadeira animação, mas James,
junto dela, soltava-se o suficiente para mostrar um lado humorístico realmente
cômico. Eram pessoas adoráveis. Por isso, Sarah sabia que o problema de Lisa
não era com eles – até porque se fosse, ela não teria problemas em admiti-lo.
Não, o problema dizia respeito a outra pessoa.
Por coincidência, eles aproximavam-se
agora da porta, cumprimentando Sarah já de longe. Também eles traziam comida,
ela pôde notar pelo recipiente que James carregava. Molho especial de
churrasco, clarificara ele. A Sarah, isso parecera um ótima ideia, uma vez que
nem ela, nem seus pais, se tinham lembrado de tal detalhe. Ela conduziu-os pelo
mesmo caminho que os restantes: sala, cozinha, jardim. Durante esse tempo, os
mais velhos fizeram as despesas da conversa, enquanto Lisa caminhava silenciosa
junto a Sarah.
Depois de apresentar a família
Cohen tanto a Jana como a Katt – que conversavam, na altura, sobre uma nova
exposição de arte urbana em L.A., enquanto Jeremy se tinha juntado aos homens
que tentavam ainda acender a churrasqueira –, Sarah sentou-se junto das duas
mulheres, fazendo com que Lisa imitasse o gesto e as quatro começassem a falar
sobre Lisa e a questioná-la sobre o que ela fazia e onde morava e o que
esperava do futuro e o que pensava sobre certas coisas – incluindo o fato de
Jeremy ter agora uma namorada fixa. A conversa rapidamente se tornou num debate
sobre as dificuldades que Katt enfrentava todos os dias, por causa de Jeremy, o
que provocou imensas gargalhadas.
De seguida, chegaram Jane e Izzy
– sendo que Sarah já contava com esta última. Desde que se tinham reencontrado
em Nova Iorque e formado a Blueprint of a Broken Heart juntas, Jane e Izzy
tinham-se tornado inseparáveis. Assim, sempre que iam visitar a amiga à capital
cultural dos States, ambas acabavam
por passar algum tempo de qualidade também com Izzy – e nunca tinham queixas em
relação a isso. A garota era animada, divertida, mas também ambiciosa e com um
espírito meditativo em relação às contrariedades do mundo. Uma verdadeira
artista. Tinha como defeito, tal como Jane, ser demasiado radical nas suas opiniões
ou comportamentos, mas irônica e inesperadamente, Jane e ela conseguiam
moderar-se mutuamente.
E agora, Sarah contava com as
duas para a ajudarem com Lisa, pelo que, tendo recebido uma mensagem por
celular de que elas estariam chegando, Sarah tratou de ir atender sozinha a
campainha, quando a mesma ecoou.
- Jane! Izzy! – Sarah festejou,
abraçando as duas amigas, que exibiam largos sorrisos por vê-la. O abraço de
Jane – que sempre tinha decidido vestir a saia, curta como era seu costume – demorou
alguns segundos extra.
- E onde está nossa Lisa? – ela
perguntou, olhando em volta, como se esperasse avistar os cachos ruivos escuros
de Lisa algures na sala.
- Lá fora, conversando com Jana e
Katt – Jane, porém, não pareceu muito convencida. Parecia, aliás, confusa.
- Quem?
- Jana, a mulher de Justin, minha
cunhada… – Sarah explicou, como se fosse óbvio.
- Não, eu sei quem é Jana. Eu
estou perguntando quem é Katt.
E foi só então que Sarah viu
outro possível problema surgir. Tentou disfarçar.
- Ah… É a… a namorada de Jeremy.
Eu sei, quem diria? – a reação dececionada de Jane foi clara não só para Izzy,
que sabia das esperanças de Jane, mas também para Sarah, que já a conhecia há
tantos anos. Sarah sentiu-se imediatamente mal por não ter pensado nessa possibilidade,
por menos óbvia que fosse – Oh, Jane… Desculpa, se eu soubesse, teria contado
assim que aconteceu. Mas assim… pensei que você não se importasse.
Jane suspirou, tentando
recompor-se, enquanto Izzy lhe dava pequenas palmadinhas nas costas e Sarah
ainda exibia um ar culpado.
- Ela é feia e má? – perguntou,
ainda com um ar um pouco triste, mas também com um tom claro de brincadeira.
Izzy e Sarah riram-se.
- Hmm, nem por isso – Sarah
respondeu, fazendo uma careta. – Para dizer a verdade, é meio que impossível
não gostar dela.
- Mas claro que é! Com a minha
sorte, ela é provavelmente uma modelo que ajuda crianças órfãs nos tempos
livres – Jane respondeu, arrancando mais risadas das amigas.
- Bem, ela é bonita e bondosa,
sim… Mas, se quer saber, ela é super previsível comparada a você – Sarah
procurou reconfortar aquela garota normalmente tão animada.
- É? E comparada a uma pessoa
normal?
- Bem… aí, eu acho que ela é… normal – Sarah declarou, com um encolher
de ombros. Jane e Izzy riram um pouco. – Mas…
temos um outro problema, que não tem nada a ver com Katt.
- Então?
- É Lisa, Jane. Ela está triste
com algo, eu vi isso claramente. Ela está tentando parecer animada por mim e
pela festa, mas… tem algo que ela não quer contar.
- Hmm… Você está pensando o mesmo
que eu?
Sarah olhou fundo nos olhos da
amiga e assentiu. A verdade é que as duas sabiam o valor que Lisa dava a Zac.
Nunca mais ela voltou a chorar por um garoto. Na verdade, ela mal lhes falava
dos seus casos amorosos, hoje em dia. Havia pequenas referências, aqui e ali,
mas em geral, ela falava sobre o curso e sobre trabalho e… sobre trabalho. Lisa precisava de descontrair séria e urgentemente.
E Sarah tinha acreditado verdadeiramente que esse dia, essa reunião poderia ter
esse efeito nela. Mas se ela ainda sentia algo por Zac… então, seria apenas tortura.
- Eu não sei como podemos
melhorar isto, Jane…
- E o Zac? Você acha que ele
também está pensando o mesmo? – Sarah podia ver as engrenagens funcionando na
mente de Jane.
-
Hmm… Talvez. Ele só teve outra namorada desde então, e isso durou, tipo,
um mês.
- Ok – Jane disse, raciocinando e
tentando achar uma solução –, ok. Temos que falar com Josh. Josh ou Taylor.
Cadê Taylor?
- Isso gostaria eu de saber,
porque né, ele prometeu que me ajudaria a arrumar as coisas. Pois sim – Sarah
revirou os olhos na direção da amiga,
tentando disfarçar a inquietação que ela mesma sentia em relação ao
atraso inesperado do namorado. Izzy, por outro lado, apenas riu.
- Ok, e Josh?
- Provavelmente atrasado por
causa de Hayley. Assim como Zac e o resto dos Farro. Juro, aquela mulher
conseguiria atrasar multidões!
- E já deve ter atrasado,
começando um show mais tarde –
concluiu Izzy, solenemente, com o que Sarah e Jane assentiram, impressionadas
pela dedução lógica.
- Mas foco, gente! – insistiu
Jane. – Se Zac também estiver passando pelo mesmo… Bem, aí nós poderemos
juntá-los!
- Hmm… Normalmente, enfiar o
nariz na vida amorosa das outras pessoas não traz bons resultados – Izzy trouxe
as duas garotas de volta à realidade. A verdade é que, por mais que elas se
esforçassem, a decisão cabia aos dois. Mas isso não as impedia de dar um
empurrãozinho, certo?
- Aí é que você está errada, Izzy
– declarou Jane. – Dependendo do quanto você conhece ambas as pessoas, enfiar o
nariz na vida amorosa delas pode trazer todas as melhorias possíveis. Quer que
eu exemplifique? – Izzy assentiu e Jane voltou-se para Sarah de novo – Sarah,
case-se logo com Taylor, por favor! Estou louca para ser dama de honra, ouvi
dizer que torna muito mais difícil afastar os homens de si.
Sarah riu, assim como Izzy e até
Jane, mas não pôde reprimir a agitação interior que sentiu perante aquelas
palavras. É que… o dia anterior que eles tinham passado a ler os diários
antigos, e todas as memórias, e todas as certezas, e também todas as
incertezas, e… Não! Agora, Sarah tinha que se concentrar em Lisa. O resto, logo
veria. De qualquer jeito, não são decisões que se tomem em cima do joelho. Não.
Agora não pensaria nisso.
- Ok, assim que eu decidir casar,
eu te conto, não se preocupe.
- Vê, Izzy? Não faz mal tentar –
Jane concluiu, com um encolher de ombros. Izzy revirou os olhos para ela.
- Isso mesmo. Nós só vamos dar
uma pequena ajudinha, certo? – Jane concordou perante as palavras de Sarah. –
Então quando Josh chegar, eu vou puxá-lo à parte e perguntar sobre Zac. Você
tem que distrair Hayley, nesse caso. Talvez seja uma boa ideia usar Allison.
- Allison? – Jane olhou, confusa,
para a antiga guitarrista.
- Minha sobrinha. Ela é completamente apaixonada por Hayley.
- “Minha sobrinha” – Jane imitou
a voz da amiga. – Eu estou lhe dizendo, Sarah, case-se de uma vez.
- Jane! Foco! – Sarah guinchou,
decidida a não discutir aquele assunto, especialmente agora.
Izzy ria perante a discussão –
bem comum, aliás – entre as duas amigas. Para dizer a verdade, estava feliz.
Agora que toda a questão com o Jeremy estava, por fim, arrumada, Jane poderia
seguir em frente e, quem sabe, aprender a confiar mais nas pessoas, incluindo
aquelas que decidia agarrar. Ter uma relação era, provavelmente, um passo ainda
demasiado avançado para ela. Mas Izzy não duvidava muito de que, ainda que
demorasse algumas décadas, Jane acabaria praticamente casada. Se bem que, por
outro lado, talvez não. Ela nunca fora muito previsível, mesmo.
E enquanto Izzy debatia
internamente o futuro das relações românticas da sua colega de banda, Sarah e
Jane terminavam de discutir os pormenores da “Operação Romeu e Julieta”, com
esperanças de que pudessem substituir o final trágico por um mais feliz. A
operação teve início, claro, com as três se encaminhando para o jardim, onde
Jane e Izzy cumprimentaram e foram apresentadas a todos – o que incluiu o derradeiro
confronto entre Jane e Katt, e a consequente conclusão da primeira de que a
segunda era, realmente, impossível de não amar.
- Então você é que é a Jane! – dissera Katt, a animação clara no seu tom de
voz – Meu Deus, você não imagina o quanto já ouvi falar de você! É um prazer!
- Meu Deus, Sarah não mentiu,
você é realmente adorável. Acho que o
prazer é meu, nesse caso – Jane encolheu os ombros e cumprimentou a mulher, que
ria do tom dramaticamente desanimado dela, com um beijo na bochecha. Entretanto,
alguém se aproximava da longa mesa de jardim.
- Oh, vejam só que lindo! Minha
antiga namorada conhecendo minha nova namorada!
- Nós nunca namoramos, Jeremy –
Jane clarificava, enquanto revirava os olhos e se aproximava do amigo, para
abraçá-lo. Jeremy riu. – Mas é bom ver que você continua o mesmo idiota.
- Qual é, estivemos perto. É
quase a mesma coisa para mim.
- E nem contando assim você
conseguiu ter muitas namoradas! Sério, Katt, você é uma santa – Jane
acrescentou, voltando-se para a jovem mulher. Katt parecia extremamente
divertida com toda a discussão.
- Eu sei, Jane, mas obrigada. Eu
realmente tenho que ser santa para aceitar namorar esse chato – Katt deu ênfase à palavra voltando-se para o namorado, que
estava agora sentado à mesa a seu lado. Jeremy desmereceu o insulto, imitando a
voz dela, e depois calou os resmungos com um beijo.
Enquanto a mesa – repleta de
mulheres, diga-se de passagem – quase suspirava de admiração por um casal tão
fofo, Izzy olhou para Jane, de modo a estudar a sua expressão. Jane dava um
pequeno sorriso torto e, vendo a sinceridade nos seus olhos, Izzy soube que ela
não sentia inveja ou ciúme. Estava verdadeiramente feliz por ver Jeremy de bem
com a vida. Quem sabe, talvez tivesse ganho a consciência de que, caso tivessem
uma relação, os dois chocariam a toda a hora. Agora, parecia-lhe que o que
sentira nessa mesma manhã fora só uma pontada aguda de nostalgia. E com isso,
ela sabia lidar.
Sarah, por outro lado, já pouca
atenção prestava ao casal. Seus dedos brincavam com o celular, seu
subconsciente ansioso para que ele tocasse, ao passo que seus olhos se fixavam
em Lisa. Quando a mesa descaiu de novo para uma profusão de conversas
paralelas, Sarah aproveitou a deixa para se dirigir à amiga.
- Então, Lisa, como vai a vida
amorosa? – Sarah acrescentou um sorriso e um levantar de sobrancelhas sugestivo
à pergunta, fazendo a amiga rir.
- Não vai – Lisa declarou,
parecendo um pouco desapontada. – Eu estava saindo com um garoto, mas, com o
fim do curso, ele voltou para a sua cidade natal. So… Estou solteira e feliz?
O tom confuso de Lisa em relação
a essa última frase – quase como se ela fosse um clichê demasiado superficial
para se aplicar a si mesma – fez Sarah ter a confirmação que esperava.
Usualmente, Lisa não tinha qualquer problema em estar feliz enquanto mulher
solteira. Ela estudava e esforçava-se diariamente, tinha suas finanças
próprias, tinha suas amigas de Salt Lake, que pareciam ser um grupo unido. Ela
era, com meros 23 anos, uma mulher independente, e não costumava ter
dificuldade em assumir isso. O que só provava que ela queria algo, a nível
amoroso, que não estava conseguindo. E o fato de isso coincidir com o regresso
a Franklin não era, para Sarah, um simples acaso.
- Está feliz, mesmo? Você parece
um pouco pra baixo – Sarah confidenciou, tendo-se aproximado mais da amiga para
que as palavras pudessem ficar só entre elas (apesar de saber bem que Jane
estaria prestando toda a atenção que podia na conversa, sem que isso se
tornasse óbvio). Lisa suspirou antes de responder.
- Eu estou feliz, sim, é só que…
minha vida está muito igual, sabe? E
agora, com o fim do curso… eu sinto que me falta algo para… para haver
equilíbrio na minha vida. Ultimamente, não tenho feito muito mais senão ir a entrevistas
de emprego e pensar em trabalho e no futuro e… Eu sinto muita tensão. E parece
que perdi a capacidade de descontrair.
Sarah mal teve tempo de acariciar
o braço da amiga, antes do som da campainha arrancá-la de seus pensamentos. A
ideia de que poderia ser Taylor foi como um choque que a fez levantar-se de uma
vez. Pediu licença e abandonou a mesa, deixando Lisa a conversar com Izzy. Jane
também se levantou e foi ter com as duas meninas, que ainda brincavam junto do
baloiço. Theresa abraçou-se a ela imediatamente e Allison olhou-a com
curiosidade. Jane deu a entender que quem estaria chegando talvez fosse Hayley,
ao que a menina respondeu correndo freneticamente para dentro de casa. Jane
sorriu presunçosamente e foi atrás dela, ainda com Theresa no colo.
Quando chegou à sala, Jane
apercebeu-se de que estava certa: eram de fato os Farro as sete pessoas que,
para além dela mesma, Sarah, e as duas crianças, povoavam a sala. Isabelle,
hoje com seus sete anos, foi a primeira a adentrar a casa correndo e dando de
caras com Allison e Theresa – o que tornou o trabalho de Jane de distrair
Hayley com a menina um tanto mais difícil. Mesmo assim, enquanto Sarah acolhia
a grande família e agradecia a tarte e o vinho que os Srs. Farro também haviam
trazido, Allison não falhou em avistar Hayley e em correr imediatamente para
ela. Hayley pegou-a ao colo e elas duas e Jane ficaram conversando, por entre o
burburinho que as outras duas crianças faziam brincando em redor delas.
Louise, alarmada pelo barulho que
parecia ter enchido a casa instantaneamente, tinha surgido também na sala,
passando a cumprimentar todos e encaminhar a comida, bebida e seus respetivos
donos para a cozinha. Sarah agarrou discretamente o braço de Josh, impedindo-o
de seguir atrás da sua família.
- O que foi? – Josh voltou-se
para ela, confuso. A balbúrdia em redor de Hayley era tal que ela pouco mais via do que as
mãos de Allison afagando seu cabelo, ou Isabelle e Theresa correndo em redor de
suas pernas. Mesmo assim, Jane começou a encaminhá-la para o jardim.
- Preciso de sua ajuda. Você sabe
se o seu irmão ainda sente algo por Lisa? – Sarah achou por bem ir direta ao
assunto, visto que não dispunham de muito tempo. A confusão na expressão de
Josh deu lugar ao entendimento. Ele suspirou.
- Bem… ele não me disse nada diretamente, mas ele estava estranho
ontem, sabe? Ele foi para o quarto mais cedo e tudo, dizendo que estava
cansado. Quando subi para me despedir dele, vi-o segurando uma foto e um anel
de plástico, daqueles de criança, sabe? Ele escondeu tudo quando eu fingi bater
à porta… Talvez tenha algo a ver com isso, o que acha?
Sarah entendia que Zac não
tivesse contado a Josh a história de como pediu Lisa em namoro, mas, para
ela, não havia nada que ele pudesse ter
dito que mais confirmasse as suas suspeitas. Zac sentia tanto a falta de Lisa
como ela sentia dele, e cabia a Sarah, como boa amiga, dar-lhes o empurrão de
que necessitavam para ultrapassar essa melancolia e voltarem a ficar juntos.
Não havia, nesse momento, nada mais certo no mundo.
- Eu acho que temos um casal para
reunir.
Josh assentiu e Sarah guiou-o na
direção da cozinha. Entretanto, foi-lhe explicando o plano: ele seguraria Zac
na cozinha, enquanto ela iria até ao jardim e pediria a Lisa para ir verificar
se o forno estava ligado. Quando ela chegasse, Josh apenas teria que sair sob
um pretexto qualquer, trancando a porta para o jardim atrás de si. Sarah teria
trancado a porta para a sala assim que os dois entrassem.
O plano correu com perfeição.
Quando chegaram à cozinha, Sarah trancou discretamente a porta e, visto que a
maior parte dos Farro e sua mãe ainda se encontravam lá, ela sugeriu que todos levassem
alguma comida para fora, afinal, já era hora de lanchar. A Josh e Zac, ela
pediu para procurarem na geladeira a caixa de hamburguers que sabia ser pai já
ter lá fora. Enquanto todos pousavam a comida que traziam, Sarah ocupou-se
trazendo a carne que seu pai cozinhava no churrasco para a mesa e, com essa
desculpa, pediu a Lisa para ir verificar o forno por ela. Prestável como
sempre, ela assentiu, mal sabendo o que a esperava.
Quando a viu entrar, Josh
cumprimentou-a com um abraço e disse a Zac que ia ver se Sarah não tinha confundido a caixa específica
de hamburguers com uma que Brian estivesse já cozinhando. Saiu da cozinha e
trancou a porta sem dar tempo a perguntas, enquanto lá dentro, Zac e Lisa se
encaravam.
- Oi – Lisa começou,
desconfortável. Zac pareceu quase como despertar de um transe – no qual estava
imerso desde que ela entrara no cômodo – ao escutar a voz dela, e então
abraçou-a levemente, todo ele humor, sorrisos, à vontade. Por dentro, porém,
ele estava dividido entre o nervosismo e o total espanto para o quanto Lisa
estava… bela.
- Oi, como está, Lise? Meu Deus,
há quanto tempo! – e apesar do tom tão casual que Zac imprimia a suas palavras,
ele sabia que elas eram verdadeiras. Fazia
tanto tempo. Lisa, por seu lado, sentiu o mesmo ao ser chamada de “Lise”. Nunca, em toda a sua vida, mais
ninguém que não Zac se lembrara de usar aquele apelido. Ele estaria para sempre
ligada ao seu namoro e, por isso, ao estremecer, Lisa não sabia se gostava dele
ou o detestava.
- Muito tempo, de fato… Estou
bem! Terminei o curso há pouco tempo, estou procurando emprego agora, sabe como
é…
Zac assentia e exibia o seu
típico sorriso largo, ainda maravilhado.
- Tradução, não é?
- Tradução e Interpretação de
Línguas, sim – Lisa assentiu. – Eu perguntaria pela Paramore, mas eu sei como
vocês estão tendo sucesso… E merecido! A música é… fantástica.
- Sério? Você escuta? – Zac
estava intrigado.
- Se eu escuto?! Eu tenho todos
os álbuns, tenho até The Final Riot
lá em casa… A maior parte dos meus amigos escutavam-vos porque eu não me calo falando sobre vocês.
- Cara!... Eu não esperava isso!
Você é nossa fã! – Zac estava
pulsando de animação por saber que Lisa apreciava o que ele fazia com tanto
gosto.
- Qual é a surpresa? Sempre fui
fã de vocês – Lisa explicou, não entendendo a razão para tanto entusiasmo.
- Sim, mas…
Zac não completou a frase, mas
Lisa não precisou de mais para escutar o sentido: “… mas eu pensei que você tivesse passado a odiar a Paramore depois que
acabamos”. Os dois quebraram o contato visual, subitamente relembrados da
nostalgia que vinham sentindo. Entendiam agora o quanto era impossível estarem
no mesmo cômodo sem se lembrarem do que tinha acontecido entre eles. O bom e o
mau.
- Bem – Zac tentou mudar
bruscamente de assunto –, e de resto, Lise? Como vai a sua vida?
A pergunta era aparentemente
inofensiva e, por isso, Lisa não escutou a intenção escondida por trás dela.
Além disso, ela estava demasiado concentrada em arranjar algo do que pudesse
falar. E de resto? A vida dela, nesse
preciso momento, não era muito mais do que o que já tinha explicado.
- Sei lá… Vai bem. Parada, aliás.
Não está acontecendo muito mais do que isso – ela tentou usar um tom casual
para camuflar um pouco o verdadeiro significado daquelas palavras, o qual seria
algo como “estaria muito mais legal se
pudesse namorar você, mas não posso, então tenho que aguentar, né”. Zac não
escutou exatamente essa interpretação, mas pôde entender que havia algo que ela
não estava contando. Sobretudo, decidiu que talvez – só talvez – ela não
estivesse tão feliz como ele achou que ela estaria. Talvez – só talvez – ainda
houvesse espaço para ele na vida dela. E isso fez toda a diferença na atitude
dele.
- É? Mas porquê isso?
- Oh, você sabe como as coisas
funcionam… Procurando emprego e tudo mais, eu não tenho muito tempo para mais
nada – ela disse, determinada, embora mentalmente estivesse revendo todos os
fim de semana que passou em casa lendo livros de Nicholas Sparks e chorando.
Deus, ela precisava sair mais. – Não é assim com você? Aquele sucesso todo deve
dar trabalho!
Zac olhava-a com um sorriso maroto,
apenas vendo através da desculpa esfarrapada dela e decidindo brincar um pouco
com isso. Já Lisa, estava tentando lidar com a exibição inesperada de um
sorriso daqueles. Ainda estava estupefacta demais para se perguntar o porquê disso.
- Na verdade, eu tenho outro
projeto. Estou trabalhando com uma outra banda, a Half Noise. É muito legal, eu
tenho a oportunidade de fazer outras coisas, sabe? Digamos que… completa a minha vida – a sutileza de
Zac estava passando completamente ao lado de Lisa, mas com certeza estava
divertindo-o.
- Sério?! Gente… você tem mais
capacidade de trabalho que eu.
Zac riu descaradamente, deixando-a
sem saber como reagir.
- Por favor, Lise, não goze com a
minha cara. Espera… você estava falando sério?!
Lisa olhou em redor da cozinha,
ainda sem saber o que poderia dizer.
- Estava, Zachary… - ela suspirou
– Olha, se calhar é melhor irmos lá para fora, já estamos aqui há muito tempo e
eles já devem estar comendo…
O sorriso safado não tinha, de
todo, abandonado o rosto de Zac. O que tinha mudado na perspetiva de Zac desde
essa manhã? Perante a tristeza quase evidente de Lisa, ele convenceu-se de que,
na verdade, ele tinha todo o direito de tentar reavê-la. Aliás, ele
convenceu-se de que ele – e só ele – a poderia fazer feliz de novo. Ou talvez
ele só tenha dado voz à parte dele que lhe dizia que Lisa era a mulher da sua
vida e ele teria de ser muito idiota para desperdiçar uma chance como essa.
- Tem comida aqui, se você está
com fome – ele respondeu-lhe, soando como o garoto metido que em tempos fora.
Lisa não sabia se revirava os olhos ou o abraçava. Contentou-se com a primeira
alternativa.
- Mas as pessoas estão todas lá
fora e nós estamos cá dentro há tempo demais – ela disse, enquanto se
encaminhava para a porta que dava para o jardim. Pousou a mão na maçaneta.
- Lisa! – a voz agora um pouco
autoritária de Zac fê-la virar-se para ele de imediato – Desculpa se você acha
que isso é intromissão, mas eu preciso de saber: você está namorando no
momento?
Lisa sentiu-se como se tudo
dentro dela explodisse de uma vez. Seu coração sobressaltou-se, suas mãos
tremeram, suas palmas suavam, sua voz… Sua voz não saía mais. Fechou os olhos e
obrigou-se a respirar.
- O-o quê?
Zac fitou-a intensamente enquanto
ela piscava os olhos, tentando por tudo que sua visão ficasse menos turva e ela
se conseguisse concentrar em qualquer
coisa.
- Eu perguntei se você está
namorando – Zac repetiu, desta vez sua voz menos autoritária e mais dócil. Ele
não pretendia chocá-la assim. Se bem que, talvez, não fosse uma má estratégia.
Ele só queria que ela baixasse as defesas e fosse sincera.
- Não, mas não vejo por que isso
lhe interessaria – Lisa fez o melhor por soar convicta. Por mais que ainda
estivesse tremendo. Zac aproximou-se dela. Talvez isso fosse uma péssima ideia
e fosse ter exatamente o resultado oposto ao que queria. Mas também Zac Farro
nunca fora conhecido por jogar pelo seguro.
- Nos sete anos que passaram
desde que nos separamos, eu tive exatamente uma
namorada. O nosso namoro durou um mês. Sabe como foi o nosso término? – Lisa,
assustada pela proximidade dele, mas suspensa em cada uma das suas palavras,
abanou a cabeça – Emily, a garota, me disse: “Zac, eu sei que você gosta de
mim. Mas também sei que você gosta muito
mais de outra pessoa. E eu não posso ser ela.” Ela tinha razão, Lise. Ela
nunca poderia ser você.
Lisa lutou para recuperar a voz.
Claro que tudo aquilo inflava o seu coração, mas… Sempre haveria um “mas”.
- Passaram-se sete anos, Zac –
ela tentou transparecer firmeza, por mais que tudo nela quisesse simplesmente
ceder. Mas para que serviria isso? Para voltar a sofrer?
- E você vai dizer que, nesses sete
anos, você nunca pensou em mim uma única
vez? De todo? Nunca?
Lisa suspirou, implorando
interiormente para que ele simplesmente
parasse.
- Ai, claro que pensei! Pensei imensas vezes, Zac! Eu… Caramba! Eu te
amo, mas isso não faz com que a gente dê certo, faz?! – o exterior calmo e
firme de Lisa tinha ruído completamente. Agora, ela gritava e chorava,
mostrando o quanto estava quebrada. Quebrando, por sua vez, o coração de Zac.
Ele aproximou-se mais um pouco
dela e segurou o seu rosto. Dessa vez, Lisa encarou-o sem quebrar o contato
visual, esperando que ele entendesse. Não iria funcionar.
- Desculpa – ela suspirou e
negou, querendo indicar que a culpa não fora dele. Talvez fosse dela, ou talvez
nem isso. Talvez só fosse algo que tivesse que acontecer. – Mas você não pode
viver com medo, Lise. Temos que admitir: a gente desistiu da última vez. Não
foi porque havia algo errado entre nós, ou porque as circunstâncias eram impossíveis. Ficou difícil, sim, isso é
verdade. Mas eu me pergunto todo o dia o que teria acontecido se a gente só
tivesse aguentado mais um pouco. Só… mais um pouco.
Lisa negava veementemente, agora,
seu rosto ainda sustentado pelas mãos fortes de Zac.
- Só mais um pouco? Até quando,
Zac? Sempre estaríamos longe. Sempre.
Mesmo que eu fosse para L.A., você ainda faria tours, e depois? Mais discussões! – ele soltou o rosto dela e
passou uma mão pelo seu, cansado.
- E você não conseguiria confiar
em mim dessa vez?
Lisa fitou os olhos de Zac,
verdadeiramente tristes por vê-la assim. Verdadeiramente tristes por saber que eles
os dois se amavam e que isso não tinha chegado da última vez. Porque faltava
confiança, e amor sem confiança é uma receita para o desastre.
- Você fica muito evasivo quando
está longe, sabia? – Zac torceu os lábios para ela e assentiu.
- É porque eu sou péssimo a
conversar sem ver a outra pessoa. Mas
eu posso aprender.
Com toda a sinceridade e
disponibilidade que havia nos olhos dele, Lisa só queria dizer que sim e rezar
para que desse certo.
- Houve tantas vezes que eu só
queria ter você lá, sabe? Eu sei que
se eu te pudesse abraçar nesses momentos, tinha ficado tudo bem.
- Eu sei, Lise. Mas durante esses
sete anos, eu pensei em você tendo um momento desses e eu não tendo sequer uma
ideia disso. E agora… eu sei que você precisa de mim, Lise. Você só está
pensando em emprego e trabalho, não é verdade? Eu ainda te conheço, ruivinha.
Lisa sorriu um pouco, tomando uma
decisão de que talvez se viesse, um dia, a arrepender.
- Sim, é verdade – disse,
enquanto rezaca interiormente para que tudo desse certo. Depois, agarrou sua
nuca e beijou-o em cheio na boca.
***
Sarah estava preocupada. Já
passavam duas horas desde a hora marcada para o início do encontro – e isso
para não falar de que Taylor prometera estar lá mais cedo. Porém, duas horas
depois, ninguém sequer sabia onde ele e Justin se haviam metido. Ela tentava
manter uma conversa com sua série interminável de convidados, mas o fato era
que estava falhando miseravelmente. Ela
só precisava que Taylor chegasse e então finalmente
poderia puxá-lo para o andar de cima e tentar explicar-lhe aquilo em que estava
pensando.
Por outro lado, estava muito
feliz por Lisa e Zac. Louise entrara na cozinha – atribuindo o fato de a porta
estar trancada como uma estratégia para que as crianças não entrassem lá sem vigilância
– à procura de outro saco de carvão, para a churrasqueira, e deparara-se com
Lisa e Zac em pleno beijo. O espanto impedira-a de reagir com a rapidez
necessária e eles os dois notaram a sua presença antes de ela conseguir se esgueirar
para o jardim de novo.
- Bem… Eu só vim pegar o carvão,
com licença… Se ele já não tiver pegado fogo aqui, não é? Ahah. Não? Pronto, ok
– e com isso, Louise saíra de novo para o jardim, saco de carvão na mão,
expressão óbvia de quem estava constrangida. E quando Sarah perguntara, ela
apenas respondera a verdade. A culpa não era dela, ora essa! Sarah é que tinha que partilhar com Jane e, claro,
ninguém pode sinceramente esperar que Jane não aproveite algo assim para fazer
piada. Não Jane Streep.
Enfim, tudo isso e mais algumas
coisas haviam acontecido em duas horas, e onde estava Taylor? A par da raiva,
Sarah sentiu o coração apertar e tentou ligar de novo para ele. Só que dessa
vez, ele atendeu.
- Hey baby – ele disse, com o maior à vontade. A raiva de antes
fervilhou no peito de Sarah.
- “Hey baby”? “HEY BABY”?! TAYLOR
BENJAMIN YORK, ONDE RAIOS VOCÊ SE ENFIOU?!
Taylor viu sua vida passar diante
de seus olhos. Ele realmente deveria ter dito algo. Mas como poderia tê-lo
feito sem deixá-la desconfiada? Talvez devesse ter escolhido outro dia… Porém,
agora estava tudo tratado e arrumado e ele finalmente iria poder fazer aquilo
com que vinha sonhando nos últimos tempos. Quando Sarah entendesse, ela riria
de sua própria raiva. Hmm… ok, talvez não. Ela tinha a sua razão.
- Foi uma coisa com o Justin, ok? Desculpa.
- Ahh, bem que você pode pedir
desculpa, meu querido! Ponha um pé nessa casa e você verá o que “fúria” e
“vingança” verdadeiramente significam!
- Amor, eu alguma vez te disse como sua voz fica sexy quando você me
ameaça?
Sarah tentou fingir que o
comentário não aplacou nem um pouquinho a sua raiva, embora isso fosse mentira.
- E não pense que dizer coisas
fofas te vai safar dessa vez!
- Eu sei que não vai, você vai libertar toda a sua raiva indomada em
mim assim que me vir, certo? Apesar de eu não ter culpa nenhuma! Mas aquela
coisa da raiva indomada, vamos fazer isso – Sarah segurou o riso e revirou
os olhos para o celular, mesmo que ele não a pudesse ver. – Você revirou os olhos para mim, não foi?
Como se eu não soubesse que você está
dando tudo para não rir, Sarah, tsc tsc… E eu esperando que você fosse sincera
comigo.
- Eu sou sincera, por que você
está dizendo que não sou sincera contigo? – Sarah reagiu de imediato, tomando
isso como um comentário àquilo que ela queria dizer e ainda não tivera
hipótese.
- Ei, calma! Estava brincando… Mas assim parece que você realmente tem
algo para me contar, não é? – a curiosidade de Taylor se aguçou.
- Tenho, mas não antes de te
fazer desejar nunca mais se atrasar
para vir ter comigo.
- Hmm, gosto de como isso soa – Taylor voltou a declarar e Sarah
bufou para o pequeno aparelho. – Pronto,
pronto. Desculpe-me, minha razão de viver, mas eu juro que não volto a atrasar-me
para ir ter consigo, ok? Aliás… estou bem na tua porta.
- Você e Justin? – ela
questionou, já se encaminhando para a sala.
- Sim, porquê?
- Porque eu tenho que ajustar
minhas contas com ele também – do outro lado da linha, outra voz ecoou e Taylor
riu.
- Ele diz que já vai ter que lidar com Jana, então você poderia dar-lhe
um desconto.
- Não! Ele não deveria ter
roubado meu namorado se não queria levar uma bronca de duas mulheres
diferentes. E prepare-se, estou chegando.
Sarah desligou a ligação e abriu
a porta, onde Taylor e Justin esperavam, expectantes. Ela fitou-os a ambos
durante alguns segundos.
- O que vocês têm a dizer em
vossa defesa? – suas sobrancelhas erguidas indicavam que esta não era uma
altura para brincar.
- A culpa é toda de Taylor, ele
que me arrastou para Nashville, bye –
Justin falou tudo de um fôlego e correu, através da casa, para o jardim. Taylor
fitou as costas do irmão de queixo caído.
- Já viu? Você pensa que pode
confiar no seu irmão e BAM! Ele te trai.
- Hmm… soa muito com “você pensa
que pode confiar no seu namorado e ele desaparece durante várias horas sem dar
qualquer notícia”…
Taylor suspirou e passou a
encarar a namorada, parecendo, na verdade, um pouco arrependido.
- Você ficou realmente chateada?
– ele perguntou, sério. Ela, séria, assentiu. Ele deu um passo em direção a ela
e abraçou-a. – Desculpa, amor. Eu juro que foi por uma boa causa.
Ela afastou-se só um pouco para
poder olhar nos seus olhos, apesar de saber que essa não seria a decisão certa
a tomar se queria manter um pouco da raiva. A questão era: onde tinha ela
espaço para sentir raiva, quando tudo o que via diante de si era nervosismo e
ansiedade?
- Só não volte a fazer isso, ok?
Desaparecer sem dar notícias é horrível.
- Você tem razão, desculpa – ele
repetiu, enquanto ainda abraçava a sua cintura e beijava a sua testa. – Mas não
importa, porque eu sempre vou voltar para você.
Sarah riu do tom dramático que
ele imprimiu a uma promessa que já tinha repetido milhões de vezes, mas que
nunca perdera o seu significado. Dramatizada ou não, era verdade.
- Ok, Don Juan, você já provou o seu ponto – Sarah disse, enquanto se
soltou para entrar de vez na casa. Taylor seguiu-a, fechando a porta.
- Mas você não. Onde está a raiva
aliciante que me fez correr para aqui o mais depressa possível?
Sarah voltou-se para ele a meio
da sala, atônita.
- Tirou umas férias, mas se você
quiser, eu peço para ela voltar mais cedo – o seu tom era de ameaça.
- Rawr – Taylor fez, enquanto levantava e baixava rapidamente as
sobrancelhas. Dessa vez, Sarah não conseguiu segurar o riso.
- Tay, meu amor, não leve isso a
mal, mas você é tão idiota.
- Sarah, meu amor – ele disse
enquanto chegava mais perto dela de novo. Ela cedeu e passou as mãos por seus
ombros – não leve isso a mal, mas você ama
isso.
Ela riu e revirou os olhos.
- Eu sei.
E logo, os lábios de Taylor
estavam sobre os dela, calando-a da forma mais gostosa que ambos conheciam. Por
um momento perfeito, não havia nada para além deles os dois no mundo. O
nervosismo escorria lentamente de ambos, dando lugar a uma corrente elétrica
inteiramente diferente. Tudo estava justificado naquele beijo, e tanto um como
o outro tiveram certeza absoluta de que tinham tomado a decisão certa.
Foi por isso que, assim que o
beijo se quebrou para que os dois pudessem recuperar o fôlego, enquanto suas
testas se colavam e suas respirações se misturavam, Sarah fixou os olhos verdes
diante de si e sussurrou:
- Casa comigo.
Taylor devolveu-lhe uma expressão
congelada, estupefacta.
- O quê?! – ele mal podia acreditar. Ele não confiava mais nos seus
ouvidos. Seria possível?!
- Casa comigo – Sarah repetiu,
mais alto e mais convicta. Era isso o que ela queria. Ela sabia que Taylor
também haveria de querer isso, senão agora, pelo menos um dia.
Em lugar da resposta, Taylor
afastou-se um pouco e riu-se. Gargalhou.
Mas não era o tipo de gargalhada que dizia “você só pode estar brincando”. Não,
era o tipo de gargalhada que soava a felicidade e esperança, embora também
contivesse um toque de ironia que Sarah não sabia bem localizar. Porém,
enquanto ele estendia a mão para o bolso da calça e retirava uma pequena caixa,
ela deu por si rindo exatamente do mesmo jeito.
Quando ele abriu a caixinha em
direção a ela, o sorriso na cara de ambos era impagável.
***
Mais tarde nessa noite, depois de
todos terem regressado a casa – sabendo já as novidades e tendo congratulado os
noivos –, Sarah e Taylor subiram para o antigo quarto dela, onde deram o seu
melhor por caber na estreita cama de adolescente. Sarah pegou uma caneta e o
antigo diário, parando de escrever, de vez em quando, só para apreciar o lindo anel que decorava o seu dedo anelar
direito – e para imaginar o dia em que o anelar da outra mão também teria
direito a alguma decoração. Taylor, com o queixo pousado no seu ombro – onde
sua barba por fazer picava um pouco a pele exposta –, lia o pequeno texto
conforme sua noiva o ia redigindo.
“Pode acreditar, ou não, querido
diário semi-esquecido, mas eu e Taylor resolvemos que não haveria melhor forma
de viver o dia de ontem do que revivendo o passado. Por isso, achamos por bem
relê-lo a si e ao gêmeo que você nunca soube ter. Isso funcionou – se me perdoa
a comparação pouco glamorosa – como um bumerangue: trouxe-nos de volta as
memórias, sim, mas também tudo aquilo que já construímos e ainda poderemos
construir sobre elas. Trouxe-nos de volta aquele amor simples e puro que nos
aproximou em primeiro lugar. E esse era exatamente o encorajamento de que
necessitávamos para entender que, quando caminhamos juntos, devemos sempre
caminhar em frente.
Quanto a hoje, tenho que admitir
que todas as memórias que avivamos durante a tarde passada correram livremente
pelo meu pensamento, enchendo-me de um sentimento muito único: um enorme
sentido de realização pessoal, que nem terminar o meu curso conseguiu superar.
Enquanto isso, minha mente observou todo o percurso que eu fiz para chegar onde
estou. Eu mudei muito, ultrapassei muita coisa e, hoje, sou capaz de perceber
que a felicidade é algo que depende de mim. E, com o tempo e a experiência, entendi
também o que eu tenho que fazer para a conseguir e quais as coisas de que tenho
de abdicar. Por outras palavras – se me perdoa agora a metáfora redundante,
ainda pouco glamorosa –, aprendi em que direcção atirar o bumerangue para que
ele viesse parar no ponto em que eu quero. Claro que, por vezes, ainda falho,
mas a minha vida ainda tem muitos caminhos por onde passar e muita coisa para
aprender. E isso só me faz sentir mais feliz.
Depois de colocar o anel no meu
dedo, Taylor segurou minha mão e baixou um pouco o olhar até mim – já que ele deu
um pulo no final da adolescência, me ultrapassando em largos centímetros. Ele
sorria e seu olhar dizia tudo o que eu precisava de saber. E então entendi que
aquela mão – a que fizera a jóia deslizar pela minha pele tão suavemente,
apesar de estar tão carregada de simbolismo –, eu não queria mais largá-la.
Ela puxou por mim todos esses
anos, me encorajando e apoiando, assim como eu fiz por ela. Mas nem é pelo
passado, sabe? É porque há um canto na minha consciência – agora cada vez maior
– que me garante que essa é a minha
vontade: apertar a mão de Taylor para sempre, ainda que isso não seja possível.
É assim que nós funcionamos: por mais que os acontecimentos da vida nos forcem
a separarmo-nos por algum tempo, nós vimos sempre dar ao mesmo lugar. Porque,
no fundo, ambos sabemos que esse é o lugar onde pertencemos. Ao lado um do
outro.
Enquanto nós nos beijávamos mais
uma vez – e outra e outra e outra e outra –, pude sentir sua pequena barba
picando minha cara, bem ao contrário do dia em que nos beijamos pela primeira
vez. Sua mão pousava na curva da minha cintura, que também mudou desde essa
altura, estando agora bem mais pronunciada. E mesmo tendo nós repetido essa
demonstração de amor tantas vezes desde aquele dia em L.A., nada cansa. Seu
carinho, nossa proximidade, o fogo delicioso que ela cria no fundo do meu
estômago… tudo está igual e me faz sentir amada do mesmo jeito.
Mas as coisas não são mais
iguais.
Ele está um homem.
Eu estou uma mulher.
E nós nos vamos casar.
Sarah Bayley-Jones, 8 de agosto
de 2018”