Epílogo

Epílogo


Theresa carregava o pesado caixote com algum esforço, descendo um degrau de cada vez, para não arriscar cair. Sarah, uns passos atrás, adotava a mesma estratégia – se bem que em seus braços não seguia mais do que um velho peluche que Taylor ganhara para ela. O que a impedia de ver os seus pés não era caixote nenhum, e sim sua enorme e redonda barriga.

Agora com 14 anos, Theresa estava uma adolescente muito parecida a Sarah, com seus cabelos castanhos e compridos flutuando atrás de si a cada passo que dava. Taylor costumava dizer que, quando a via de costas, parecia-lhe ter regressado ao passado de novo. Theresa adorava rebater que todos eram muito mais estilosos nos dias que corriam – por mais que agora estivesse ansiosa para rever as caixas de roupa que pertencera à irmã, quando tinha a sua idade.

A razão para a limpeza súbita ao antigo quarto de Sarah era simples: por se ter tornado numa espécie de quarto de arrumações que só era reordenado quando havia hóspedes, ele abrigava os velhos brinquedos e outras coisinhas das duas meninas. E como, pela primeira vez, Sarah estaria tendo uma menina, achou por bem ver o que poderia aproveitar. Teria feito o mesmo na sua gravidez de Matthew, há quatro anos atrás, mas Taylor e ela simplesmente não conseguiram arrumar o tempo para ir até Franklin, sendo que a Paramore estava lançando um álbum na altura e Sarah acabava de ser promovida a editora-chefe da melhor revista de música de L.A. Agora, as coisas tinham acalmado, e Sarah só queria desfrutar o máximo possível da gravidez.

As duas irmãs haviam chegado ao fundo das escadas. Theresa pousou o pesado caixote e bufou, mas logo recuperou do cansaço, espreitando para poder descobrir o que o retângulo de papelão guardava com tanto segredo.

- LIVROS! – ela explodiu de animação, perguntando-se porque não sabia já daquela coleção. Ela era meio que viciada em leitura, do mesmo jeito que Sarah fora viciada em música com a mesma idade.

- SHHH! – a resposta veio do sofá, no timbre inconfundível de Taylor. Sarah aproximou-se calmamente.

- Finalmente? – ela sussurrou. Taylor assentiu ao de leve e suspirou. No seu colo, Matthew dormia uma sesta tardia. Seria ainda mais difícil adormecê-lo nessa noite. – Pena que ele só tem essa cara de anjinho dormindo.

- Hey – a voz de Theresa chamava, também em sussurro, a atenção dos dois (como era estranho qualificá-los assim quando já tinha visto muitas provas em contrário) adultos – não denigra as qualidades angélicas do meu companheiro de aventuras!

Sarah riu baixinho e sentou-se ao lado do marido, enquanto Theresa voltava a explorar o conteúdo desconhecido da caixa. A maior afinal, eram livros didáticos (o que, vamos admitir, não era tão interessante assim, quem quer ler 500 páginas de texto didático sobre química?) e cadernos, mas havia alguns livros de aspeto interessante por ali. Ela selecionou-os e tirou-os para fora da caixa, empilhando-os. Passou a folheá-los um a um – isto, até achar um que, embora parecendo um livro de capa dura, era, na verdade, uma espécie de agenda… Um diário talvez. Estava completamente rabiscado com a letra juvenil da irmã, e ao observá-lo melhor, Theresa entendeu que o que estava ali não eram simples apontamentos escolares.

Levantou-se e foi sentar-se no braço do sofá, ao lado da irmã. A sua face intrigada avivou a curiosidade de Taylor e Sarah.

- O que é isso? – ela perguntou, novamente em sussurro, enquanto passava a encadernação para as mãos da mais velha, que, abrindo e lendo a primeira página, entendeu imediatamente do que se tratava. Olhou significativamente para Taylor e voltou para ele a página escrita.

- Tal como um bumerangue – ele murmurou, mais para si do que para elas, e esboçou um largo sorriso. Sarah concordou e retornou-o, num gesto cheio de significado, de novo às mãos de Theresa.


- Isto, minha irmã… é uma longa história.

Capítulo 41 - Parte II

I will wait for you



Sarah estava ajudando o seu pai a acender a churrasqueira quando a campainha ecoou, fraca, através da casa. Por sorte, a porta para o jardim ficava de frente para a porta de entrada, ambas situadas na sala. Com a porta aberta, era possível escutar a campainha, mesmo cá fora. Sarah apressou-se na direção da porta principal, mas Louise, que estava brincando na sala com Theresa, adiantou-se-lhe.

- Mas olhem quem é! Olá, olá – Louise dizia, enquanto cumprimentava ambos os pais de Taylor e sua cunhada, juntamente com sua sobrinha.  Eles adentraram a casa, um por um, onde foram cumprimentados novamente por Sarah, que segurava Theresa. Ambas as meninas, já amigas, apressaram-se a fugir juntas para a beira dos brinquedos de Theresa, enquanto os mais velhos conversavam sobre amenidades.

- Trago aqui a minha melhor especialidade – Marie dizia e piscava, referindo-se à enorme travessa que segurava, certamente cheia do seu mousse famoso entre a família. Peter também segurava uma garrafa de vinho e, portanto, Louise encaminhou-os para a cozinha, onde se reuniam todos os preparativos para o churrasco. Sarah e Jana, cunhadas e também amigas, ficaram para trás, junto das crianças.

- O que aconteceu com Taylor e Justin? – Sarah estava extremamente curiosa, visto que esperava que ambos tivessem chegado com o resto da família. Jana encolheu os ombros.

- Justin não me disse nada, apenas que os dois tinham que ir algures. Confidencialidade de nível 0 – Jana acrescentou, referindo-se ao código que era comum não só entre os quatro, mas também entre o resto da banda. Com praticamente todos os amigos namorando dentro do próprio grupo, tornava-se difícil guardar qualquer tipo de segredo. Então, tinham criado um código de confidencialidade: o nível 2 significava que todos podiam saber, menos a pessoa a quem dizia respeito a surpresa ou o segredo; o nível 1 permitia partilhar o segredo com o respetivo parceiro, mas não com mais ninguém; o nível 0 requeria confidencialidade total, não podendo o segredo ser contado sequer ao companheiro e, na verdade, era um caso raro. Isso, claro, contribuiu para aguçar a curiosidade de Sarah.

- Espero que seja algo inofensivo, nesse caso – ela concluiu, piscando para a cunhada. Esta riu, e ambas passaram a conversar sobre o trabalho de Jana como web designer, sendo que ultimamente ela vinha ajudando um número crescente de bandas a lançar-se no mundo cibernético. Sarah, pelo seu lado, estava tecendo planos para possivelmente escrever uma reportagem sobre essa realidade.

Entretanto, a campainha voltava a fazer-se ouvir, tendo Sarah, agora mais perto da porta, atendido imediatamente. Surgiram um Jeremy e uma Katt extremamente animados, também eles carregando uma travessa que, segundo Jeremy, continha uma grande quantidade de macarrão com queijo.

- É um prato fácil, mas apreciado por todos! E um ótimo acréscimo a qualquer churrasco – ele terminou a publicidade esboçando um largo sorriso branco. Katt revirou os olhos e adentrou a casa.

- Ele precisou da minha ajuda para não deixar queimar. Eu teria feito outra coisa, mas você sabe como isso é impossível num quarto de hotel, sem cozinha e tudo o mais – Sarah riu e agradeceu, enquanto Jana cumprimentava o casal. Ela e Justin também moravam em L.A., pelo que costumavam dar-se com o grupo e ela já os conhecia, talvez até bem demais.

Sarah encaminhou todos até à cozinha e, depois, para o jardim, trazendo consigo também as crianças, que se mostraram bastante entusiasmadas por finalmente poderem correr livremente pelo jardim. O baloiço que antes estivera em L.A. agora estava montado ali, e Allison, quase rebentando de felicidade, sentou-se nele e colocou Theresa no seu colo, andando com menos força do que aquela que gostaria, mas ciente de que tinha que ter os cuidados certos para não magoar a mais pequena. Allison tratava e adorava Theresa como uma irmã mais nova, pelo que sempre pedia para viajar com os tios quando eles voltavam a Franklin. Assim, nesse exato momento, não podia estar mais feliz.

A campainha voltava a indicar a chegada de mais pessoas e, dessa vez, Sarah abrira a porta para se deparar com Lisa. O abraço apertado foi imediato, visto que as duas já não se viam há algum tempo – mesmo falando, pelo menos, todas as semanas. Sarah sabia de praticamente tudo o que acontecia com Lisa e vice-versa, o que impedira sua amizade de se desvanecer com o tempo. Porém, conhecendo bem a amiga, Sarah também sabia das coisas que Lisa se recusava a admitir em voz alta, pelo que bastou um único olhar para ela para reconhecer a pequena tristeza instalada no fundo dos seus olhos. E tinha até um palpite sobre o que isso significava. De repente, mal pôde esperar que Jane chegasse.

- Então, meu amor, chegou bem? – Sarah questionou a amiga, tentando obter mais informações sem ser demasiado óbvia. A última vez que falara com Lisa tinha sido no dia anterior, antes de ela pegar o avião de Salt Lake para Franklin. Ela parecia bem animada então.

- Sim – Lisa respondeu, suspirando – correu tudo bem. Ontem à noite, fui até Nashville com os meus pais. Aliás, eles foram estacionar o carro, não me pergunte porque estão demorando tanto.

Sarah assentiu, feliz por rever os pais de Lisa, Kate e James. Kate era uma verdadeira animação, mas James, junto dela, soltava-se o suficiente para mostrar um lado humorístico realmente cômico. Eram pessoas adoráveis. Por isso, Sarah sabia que o problema de Lisa não era com eles – até porque se fosse, ela não teria problemas em admiti-lo. Não, o problema dizia respeito a outra pessoa.

Por coincidência, eles aproximavam-se agora da porta, cumprimentando Sarah já de longe. Também eles traziam comida, ela pôde notar pelo recipiente que James carregava. Molho especial de churrasco, clarificara ele. A Sarah, isso parecera um ótima ideia, uma vez que nem ela, nem seus pais, se tinham lembrado de tal detalhe. Ela conduziu-os pelo mesmo caminho que os restantes: sala, cozinha, jardim. Durante esse tempo, os mais velhos fizeram as despesas da conversa, enquanto Lisa caminhava silenciosa junto a Sarah.

Depois de apresentar a família Cohen tanto a Jana como a Katt – que conversavam, na altura, sobre uma nova exposição de arte urbana em L.A., enquanto Jeremy se tinha juntado aos homens que tentavam ainda acender a churrasqueira –, Sarah sentou-se junto das duas mulheres, fazendo com que Lisa imitasse o gesto e as quatro começassem a falar sobre Lisa e a questioná-la sobre o que ela fazia e onde morava e o que esperava do futuro e o que pensava sobre certas coisas – incluindo o fato de Jeremy ter agora uma namorada fixa. A conversa rapidamente se tornou num debate sobre as dificuldades que Katt enfrentava todos os dias, por causa de Jeremy, o que provocou imensas gargalhadas.

De seguida, chegaram Jane e Izzy – sendo que Sarah já contava com esta última. Desde que se tinham reencontrado em Nova Iorque e formado a Blueprint of a Broken Heart juntas, Jane e Izzy tinham-se tornado inseparáveis. Assim, sempre que iam visitar a amiga à capital cultural dos States, ambas acabavam por passar algum tempo de qualidade também com Izzy – e nunca tinham queixas em relação a isso. A garota era animada, divertida, mas também ambiciosa e com um espírito meditativo em relação às contrariedades do mundo. Uma verdadeira artista. Tinha como defeito, tal como Jane, ser demasiado radical nas suas opiniões ou comportamentos, mas irônica e inesperadamente, Jane e ela conseguiam moderar-se mutuamente.

E agora, Sarah contava com as duas para a ajudarem com Lisa, pelo que, tendo recebido uma mensagem por celular de que elas estariam chegando, Sarah tratou de ir atender sozinha a campainha, quando a mesma ecoou.

- Jane! Izzy! – Sarah festejou, abraçando as duas amigas, que exibiam largos sorrisos por vê-la. O abraço de Jane – que sempre tinha decidido vestir a saia, curta como era seu costume – demorou alguns segundos extra.

- E onde está nossa Lisa? – ela perguntou, olhando em volta, como se esperasse avistar os cachos ruivos escuros de Lisa algures na sala.

- Lá fora, conversando com Jana e Katt – Jane, porém, não pareceu muito convencida. Parecia, aliás, confusa.

- Quem?

- Jana, a mulher de Justin, minha cunhada… – Sarah explicou, como se fosse óbvio.

- Não, eu sei quem é Jana. Eu estou perguntando quem é Katt.

E foi só então que Sarah viu outro possível problema surgir. Tentou disfarçar.

- Ah… É a… a namorada de Jeremy. Eu sei, quem diria? – a reação dececionada de Jane foi clara não só para Izzy, que sabia das esperanças de Jane, mas também para Sarah, que já a conhecia há tantos anos. Sarah sentiu-se imediatamente mal por não ter pensado nessa possibilidade, por menos óbvia que fosse – Oh, Jane… Desculpa, se eu soubesse, teria contado assim que aconteceu. Mas assim… pensei que você não se importasse.

Jane suspirou, tentando recompor-se, enquanto Izzy lhe dava pequenas palmadinhas nas costas e Sarah ainda exibia um ar culpado.

- Ela é feia e má? – perguntou, ainda com um ar um pouco triste, mas também com um tom claro de brincadeira. Izzy e Sarah riram-se.

- Hmm, nem por isso – Sarah respondeu, fazendo uma careta. – Para dizer a verdade, é meio que impossível não gostar dela.

- Mas claro que é! Com a minha sorte, ela é provavelmente uma modelo que ajuda crianças órfãs nos tempos livres – Jane respondeu, arrancando mais risadas das amigas.

- Bem, ela é bonita e bondosa, sim… Mas, se quer saber, ela é super previsível comparada a você – Sarah procurou reconfortar aquela garota normalmente tão animada.

- É? E comparada a uma pessoa normal?

- Bem… aí, eu acho que ela é… normal – Sarah declarou, com um encolher de ombros. Jane e Izzy riram um pouco. – Mas…  temos um outro problema, que não tem nada a ver com Katt.

- Então?

- É Lisa, Jane. Ela está triste com algo, eu vi isso claramente. Ela está tentando parecer animada por mim e pela festa, mas… tem algo que ela não quer contar.

- Hmm… Você está pensando o mesmo que eu?

Sarah olhou fundo nos olhos da amiga e assentiu. A verdade é que as duas sabiam o valor que Lisa dava a Zac. Nunca mais ela voltou a chorar por um garoto. Na verdade, ela mal lhes falava dos seus casos amorosos, hoje em dia. Havia pequenas referências, aqui e ali, mas em geral, ela falava sobre o curso e sobre trabalho e… sobre trabalho. Lisa precisava de descontrair séria e urgentemente. E Sarah tinha acreditado verdadeiramente que esse dia, essa reunião poderia ter esse efeito nela. Mas se ela ainda sentia algo por Zac… então, seria apenas tortura.

- Eu não sei como podemos melhorar isto, Jane…

- E o Zac? Você acha que ele também está pensando o mesmo? – Sarah podia ver as engrenagens funcionando na mente de Jane.

-  Hmm… Talvez. Ele só teve outra namorada desde então, e isso durou, tipo, um mês.

- Ok – Jane disse, raciocinando e tentando achar uma solução –, ok. Temos que falar com Josh. Josh ou Taylor. Cadê Taylor?

- Isso gostaria eu de saber, porque né, ele prometeu que me ajudaria a arrumar as coisas. Pois sim – Sarah revirou os olhos na direção da amiga,  tentando disfarçar a inquietação que ela mesma sentia em relação ao atraso inesperado do namorado. Izzy, por outro lado, apenas riu.

- Ok, e Josh?

- Provavelmente atrasado por causa de Hayley. Assim como Zac e o resto dos Farro. Juro, aquela mulher conseguiria atrasar multidões!

- E já deve ter atrasado, começando um show mais tarde – concluiu Izzy, solenemente, com o que Sarah e Jane assentiram, impressionadas pela dedução lógica.

- Mas foco, gente! – insistiu Jane. – Se Zac também estiver passando pelo mesmo… Bem, aí nós poderemos juntá-los!

- Hmm… Normalmente, enfiar o nariz na vida amorosa das outras pessoas não traz bons resultados – Izzy trouxe as duas garotas de volta à realidade. A verdade é que, por mais que elas se esforçassem, a decisão cabia aos dois. Mas isso não as impedia de dar um empurrãozinho, certo?

- Aí é que você está errada, Izzy – declarou Jane. – Dependendo do quanto você conhece ambas as pessoas, enfiar o nariz na vida amorosa delas pode trazer todas as melhorias possíveis. Quer que eu exemplifique? – Izzy assentiu e Jane voltou-se para Sarah de novo – Sarah, case-se logo com Taylor, por favor! Estou louca para ser dama de honra, ouvi dizer que torna muito mais difícil afastar os homens de si.

Sarah riu, assim como Izzy e até Jane, mas não pôde reprimir a agitação interior que sentiu perante aquelas palavras. É que… o dia anterior que eles tinham passado a ler os diários antigos, e todas as memórias, e todas as certezas, e também todas as incertezas, e… Não! Agora, Sarah tinha que se concentrar em Lisa. O resto, logo veria. De qualquer jeito, não são decisões que se tomem em cima do joelho. Não. Agora não pensaria nisso.

- Ok, assim que eu decidir casar, eu te conto, não se preocupe.

- Vê, Izzy? Não faz mal tentar – Jane concluiu, com um encolher de ombros. Izzy revirou os olhos para ela.

- Isso mesmo. Nós só vamos dar uma pequena ajudinha, certo? – Jane concordou perante as palavras de Sarah. – Então quando Josh chegar, eu vou puxá-lo à parte e perguntar sobre Zac. Você tem que distrair Hayley, nesse caso. Talvez seja uma boa ideia usar Allison.

- Allison? – Jane olhou, confusa, para a antiga guitarrista.

- Minha sobrinha. Ela é completamente apaixonada por Hayley.

- “Minha sobrinha” – Jane imitou a voz da amiga. – Eu estou lhe dizendo, Sarah, case-se de uma vez.

- Jane! Foco! – Sarah guinchou, decidida a não discutir aquele assunto, especialmente agora.

Izzy ria perante a discussão – bem comum, aliás – entre as duas amigas. Para dizer a verdade, estava feliz. Agora que toda a questão com o Jeremy estava, por fim, arrumada, Jane poderia seguir em frente e, quem sabe, aprender a confiar mais nas pessoas, incluindo aquelas que decidia agarrar. Ter uma relação era, provavelmente, um passo ainda demasiado avançado para ela. Mas Izzy não duvidava muito de que, ainda que demorasse algumas décadas, Jane acabaria praticamente casada. Se bem que, por outro lado, talvez não. Ela nunca fora muito previsível, mesmo.

E enquanto Izzy debatia internamente o futuro das relações românticas da sua colega de banda, Sarah e Jane terminavam de discutir os pormenores da “Operação Romeu e Julieta”, com esperanças de que pudessem substituir o final trágico por um mais feliz. A operação teve início, claro, com as três se encaminhando para o jardim, onde Jane e Izzy cumprimentaram e foram apresentadas a todos – o que incluiu o derradeiro confronto entre Jane e Katt, e a consequente conclusão da primeira de que a segunda era, realmente, impossível de não amar.

- Então você é que é a Jane! – dissera Katt, a animação clara no seu tom de voz – Meu Deus, você não imagina o quanto já ouvi falar de você! É um prazer!

- Meu Deus, Sarah não mentiu, você é realmente adorável. Acho que o prazer é meu, nesse caso – Jane encolheu os ombros e cumprimentou a mulher, que ria do tom dramaticamente desanimado dela, com um beijo na bochecha. Entretanto, alguém se aproximava da longa mesa de jardim.

- Oh, vejam só que lindo! Minha antiga namorada conhecendo minha nova namorada!

- Nós nunca namoramos, Jeremy – Jane clarificava, enquanto revirava os olhos e se aproximava do amigo, para abraçá-lo. Jeremy riu. – Mas é bom ver que você continua o mesmo idiota.

- Qual é, estivemos perto. É quase a mesma coisa para mim.

- E nem contando assim você conseguiu ter muitas namoradas! Sério, Katt, você é uma santa – Jane acrescentou, voltando-se para a jovem mulher. Katt parecia extremamente divertida com toda a discussão.

- Eu sei, Jane, mas obrigada. Eu realmente tenho que ser santa para aceitar namorar esse chato – Katt deu ênfase à palavra voltando-se para o namorado, que estava agora sentado à mesa a seu lado. Jeremy desmereceu o insulto, imitando a voz dela, e depois calou os resmungos com um beijo.

Enquanto a mesa – repleta de mulheres, diga-se de passagem – quase suspirava de admiração por um casal tão fofo, Izzy olhou para Jane, de modo a estudar a sua expressão. Jane dava um pequeno sorriso torto e, vendo a sinceridade nos seus olhos, Izzy soube que ela não sentia inveja ou ciúme. Estava verdadeiramente feliz por ver Jeremy de bem com a vida. Quem sabe, talvez tivesse ganho a consciência de que, caso tivessem uma relação, os dois chocariam a toda a hora. Agora, parecia-lhe que o que sentira nessa mesma manhã fora só uma pontada aguda de nostalgia. E com isso, ela sabia lidar.

Sarah, por outro lado, já pouca atenção prestava ao casal. Seus dedos brincavam com o celular, seu subconsciente ansioso para que ele tocasse, ao passo que seus olhos se fixavam em Lisa. Quando a mesa descaiu de novo para uma profusão de conversas paralelas, Sarah aproveitou a deixa para se dirigir à amiga.

- Então, Lisa, como vai a vida amorosa? – Sarah acrescentou um sorriso e um levantar de sobrancelhas sugestivo à pergunta, fazendo a amiga rir.

- Não vai – Lisa declarou, parecendo um pouco desapontada. – Eu estava saindo com um garoto, mas, com o fim do curso, ele voltou para a sua cidade natal. So… Estou solteira e feliz?

O tom confuso de Lisa em relação a essa última frase – quase como se ela fosse um clichê demasiado superficial para se aplicar a si mesma – fez Sarah ter a confirmação que esperava. Usualmente, Lisa não tinha qualquer problema em estar feliz enquanto mulher solteira. Ela estudava e esforçava-se diariamente, tinha suas finanças próprias, tinha suas amigas de Salt Lake, que pareciam ser um grupo unido. Ela era, com meros 23 anos, uma mulher independente, e não costumava ter dificuldade em assumir isso. O que só provava que ela queria algo, a nível amoroso, que não estava conseguindo. E o fato de isso coincidir com o regresso a Franklin não era, para Sarah, um simples acaso.

- Está feliz, mesmo? Você parece um pouco pra baixo – Sarah confidenciou, tendo-se aproximado mais da amiga para que as palavras pudessem ficar só entre elas (apesar de saber bem que Jane estaria prestando toda a atenção que podia na conversa, sem que isso se tornasse óbvio). Lisa suspirou antes de responder.

- Eu estou feliz, sim, é só que… minha vida está muito igual, sabe? E agora, com o fim do curso… eu sinto que me falta algo para… para haver equilíbrio na minha vida. Ultimamente, não tenho feito muito mais senão ir a entrevistas de emprego e pensar em trabalho e no futuro e… Eu sinto muita tensão. E parece que perdi a capacidade de descontrair.

Sarah mal teve tempo de acariciar o braço da amiga, antes do som da campainha arrancá-la de seus pensamentos. A ideia de que poderia ser Taylor foi como um choque que a fez levantar-se de uma vez. Pediu licença e abandonou a mesa, deixando Lisa a conversar com Izzy. Jane também se levantou e foi ter com as duas meninas, que ainda brincavam junto do baloiço. Theresa abraçou-se a ela imediatamente e Allison olhou-a com curiosidade. Jane deu a entender que quem estaria chegando talvez fosse Hayley, ao que a menina respondeu correndo freneticamente para dentro de casa. Jane sorriu presunçosamente e foi atrás dela, ainda com Theresa no colo.

Quando chegou à sala, Jane apercebeu-se de que estava certa: eram de fato os Farro as sete pessoas que, para além dela mesma, Sarah, e as duas crianças, povoavam a sala. Isabelle, hoje com seus sete anos, foi a primeira a adentrar a casa correndo e dando de caras com Allison e Theresa – o que tornou o trabalho de Jane de distrair Hayley com a menina um tanto mais difícil. Mesmo assim, enquanto Sarah acolhia a grande família e agradecia a tarte e o vinho que os Srs. Farro também haviam trazido, Allison não falhou em avistar Hayley e em correr imediatamente para ela. Hayley pegou-a ao colo e elas duas e Jane ficaram conversando, por entre o burburinho que as outras duas crianças faziam brincando em redor delas.

Louise, alarmada pelo barulho que parecia ter enchido a casa instantaneamente, tinha surgido também na sala, passando a cumprimentar todos e encaminhar a comida, bebida e seus respetivos donos para a cozinha. Sarah agarrou discretamente o braço de Josh, impedindo-o de seguir atrás da sua família.

- O que foi? – Josh voltou-se para ela, confuso. A balbúrdia em redor de Hayley era tal             que ela pouco mais via do que as mãos de Allison afagando seu cabelo, ou Isabelle e Theresa correndo em redor de suas pernas. Mesmo assim, Jane começou a encaminhá-la para o jardim.

- Preciso de sua ajuda. Você sabe se o seu irmão ainda sente algo por Lisa? – Sarah achou por bem ir direta ao assunto, visto que não dispunham de muito tempo. A confusão na expressão de Josh deu lugar ao entendimento. Ele suspirou.

- Bem… ele não me disse nada diretamente, mas ele estava estranho ontem, sabe? Ele foi para o quarto mais cedo e tudo, dizendo que estava cansado. Quando subi para me despedir dele, vi-o segurando uma foto e um anel de plástico, daqueles de criança, sabe? Ele escondeu tudo quando eu fingi bater à porta… Talvez tenha algo a ver com isso, o que acha?

Sarah entendia que Zac não tivesse contado a Josh a história de como pediu Lisa em namoro, mas, para ela,  não havia nada que ele pudesse ter dito que mais confirmasse as suas suspeitas. Zac sentia tanto a falta de Lisa como ela sentia dele, e cabia a Sarah, como boa amiga, dar-lhes o empurrão de que necessitavam para ultrapassar essa melancolia e voltarem a ficar juntos. Não havia, nesse momento, nada mais certo no mundo.

- Eu acho que temos um casal para reunir.

Josh assentiu e Sarah guiou-o na direção da cozinha. Entretanto, foi-lhe explicando o plano: ele seguraria Zac na cozinha, enquanto ela iria até ao jardim e pediria a Lisa para ir verificar se o forno estava ligado. Quando ela chegasse, Josh apenas teria que sair sob um pretexto qualquer, trancando a porta para o jardim atrás de si. Sarah teria trancado a porta para a sala assim que os dois entrassem.

O plano correu com perfeição. Quando chegaram à cozinha, Sarah trancou discretamente a porta e, visto que a maior parte dos Farro e sua mãe ainda se encontravam lá, ela sugeriu que todos levassem alguma comida para fora, afinal, já era hora de lanchar. A Josh e Zac, ela pediu para procurarem na geladeira a caixa de hamburguers que sabia ser pai já ter lá fora. Enquanto todos pousavam a comida que traziam, Sarah ocupou-se trazendo a carne que seu pai cozinhava no churrasco para a mesa e, com essa desculpa, pediu a Lisa para ir verificar o forno por ela. Prestável como sempre, ela assentiu, mal sabendo o que a esperava.

Quando a viu entrar, Josh cumprimentou-a com um abraço e disse a Zac que ia ver se  Sarah não tinha confundido a caixa específica de hamburguers com uma que Brian estivesse já cozinhando. Saiu da cozinha e trancou a porta sem dar tempo a perguntas, enquanto lá dentro, Zac e Lisa se encaravam.

- Oi – Lisa começou, desconfortável. Zac pareceu quase como despertar de um transe – no qual estava imerso desde que ela entrara no cômodo – ao escutar a voz dela, e então abraçou-a levemente, todo ele humor, sorrisos, à vontade. Por dentro, porém, ele estava dividido entre o nervosismo e o total espanto para o quanto Lisa estava… bela.

- Oi, como está, Lise? Meu Deus, há quanto tempo! – e apesar do tom tão casual que Zac imprimia a suas palavras, ele sabia que elas eram verdadeiras. Fazia tanto tempo. Lisa, por seu lado, sentiu o mesmo ao ser chamada de “Lise”. Nunca, em toda a sua vida, mais ninguém que não Zac se lembrara de usar aquele apelido. Ele estaria para sempre ligada ao seu namoro e, por isso, ao estremecer, Lisa não sabia se gostava dele ou o detestava.

- Muito tempo, de fato… Estou bem! Terminei o curso há pouco tempo, estou procurando emprego agora, sabe como é…

Zac assentia e exibia o seu típico sorriso largo, ainda maravilhado.

- Tradução, não é?

- Tradução e Interpretação de Línguas, sim – Lisa assentiu. – Eu perguntaria pela Paramore, mas eu sei como vocês estão tendo sucesso… E merecido! A música é… fantástica.

- Sério? Você escuta? – Zac estava intrigado.

- Se eu escuto?! Eu tenho todos os álbuns, tenho até The Final Riot lá em casa… A maior parte dos meus amigos escutavam-vos porque eu não me calo falando sobre vocês.

- Cara!... Eu não esperava isso! Você é nossa ! – Zac estava pulsando de animação por saber que Lisa apreciava o que ele fazia com tanto gosto.

- Qual é a surpresa? Sempre fui fã de vocês – Lisa explicou, não entendendo a razão para tanto entusiasmo.

- Sim, mas…

Zac não completou a frase, mas Lisa não precisou de mais para escutar o sentido: “… mas eu pensei que você tivesse passado a odiar a Paramore depois que acabamos”. Os dois quebraram o contato visual, subitamente relembrados da nostalgia que vinham sentindo. Entendiam agora o quanto era impossível estarem no mesmo cômodo sem se lembrarem do que tinha acontecido entre eles. O bom e o mau.

- Bem – Zac tentou mudar bruscamente de assunto –, e de resto, Lise? Como vai a sua vida?

A pergunta era aparentemente inofensiva e, por isso, Lisa não escutou a intenção escondida por trás dela. Além disso, ela estava demasiado concentrada em arranjar algo do que pudesse falar. E de resto? A vida dela, nesse preciso momento, não era muito mais do que o que já tinha explicado.

- Sei lá… Vai bem. Parada, aliás. Não está acontecendo muito mais do que isso – ela tentou usar um tom casual para camuflar um pouco o verdadeiro significado daquelas palavras, o qual seria algo como “estaria muito mais legal se pudesse namorar você, mas não posso, então tenho que aguentar, né”. Zac não escutou exatamente essa interpretação, mas pôde entender que havia algo que ela não estava contando. Sobretudo, decidiu que talvez – só talvez – ela não estivesse tão feliz como ele achou que ela estaria. Talvez – só talvez – ainda houvesse espaço para ele na vida dela. E isso fez toda a diferença na atitude dele.

- É? Mas porquê isso?

- Oh, você sabe como as coisas funcionam… Procurando emprego e tudo mais, eu não tenho muito tempo para mais nada – ela disse, determinada, embora mentalmente estivesse revendo todos os fim de semana que passou em casa lendo livros de Nicholas Sparks e chorando. Deus, ela precisava sair mais. – Não é assim com você? Aquele sucesso todo deve dar trabalho!

Zac olhava-a com um sorriso maroto, apenas vendo através da desculpa esfarrapada dela e decidindo brincar um pouco com isso. Já Lisa, estava tentando lidar com a exibição inesperada de um sorriso daqueles. Ainda estava estupefacta demais para se perguntar o porquê disso.

- Na verdade, eu tenho outro projeto. Estou trabalhando com uma outra banda, a Half Noise. É muito legal, eu tenho a oportunidade de fazer outras coisas, sabe? Digamos que… completa a minha vida – a sutileza de Zac estava passando completamente ao lado de Lisa, mas com certeza estava divertindo-o.

- Sério?! Gente… você tem mais capacidade de trabalho que eu.

Zac riu descaradamente, deixando-a sem saber como reagir.

- Por favor, Lise, não goze com a minha cara. Espera… você estava falando sério?!

Lisa olhou em redor da cozinha, ainda sem saber o que poderia dizer.

- Estava, Zachary… - ela suspirou – Olha, se calhar é melhor irmos lá para fora, já estamos aqui há muito tempo e eles já devem estar comendo…

O sorriso safado não tinha, de todo, abandonado o rosto de Zac. O que tinha mudado na perspetiva de Zac desde essa manhã? Perante a tristeza quase evidente de Lisa, ele convenceu-se de que, na verdade, ele tinha todo o direito de tentar reavê-la. Aliás, ele convenceu-se de que ele – e só ele – a poderia fazer feliz de novo. Ou talvez ele só tenha dado voz à parte dele que lhe dizia que Lisa era a mulher da sua vida e ele teria de ser muito idiota para desperdiçar uma chance como essa.

- Tem comida aqui, se você está com fome – ele respondeu-lhe, soando como o garoto metido que em tempos fora. Lisa não sabia se revirava os olhos ou o abraçava. Contentou-se com a primeira alternativa.

- Mas as pessoas estão todas lá fora e nós estamos cá dentro há tempo demais – ela disse, enquanto se encaminhava para a porta que dava para o jardim. Pousou a mão na maçaneta.

- Lisa! – a voz agora um pouco autoritária de Zac fê-la virar-se para ele de imediato – Desculpa se você acha que isso é intromissão, mas eu preciso de saber: você está namorando no momento?

Lisa sentiu-se como se tudo dentro dela explodisse de uma vez. Seu coração sobressaltou-se, suas mãos tremeram, suas palmas suavam, sua voz… Sua voz não saía mais. Fechou os olhos e obrigou-se a respirar.

- O-o quê?

Zac fitou-a intensamente enquanto ela piscava os olhos, tentando por tudo que sua visão ficasse menos turva e ela se conseguisse concentrar em qualquer coisa.

- Eu perguntei se você está namorando – Zac repetiu, desta vez sua voz menos autoritária e mais dócil. Ele não pretendia chocá-la assim. Se bem que, talvez, não fosse uma má estratégia. Ele só queria que ela baixasse as defesas e fosse sincera.

- Não, mas não vejo por que isso lhe interessaria – Lisa fez o melhor por soar convicta. Por mais que ainda estivesse tremendo. Zac aproximou-se dela. Talvez isso fosse uma péssima ideia e fosse ter exatamente o resultado oposto ao que queria. Mas também Zac Farro nunca fora conhecido por jogar pelo seguro.

- Nos sete anos que passaram desde que nos separamos, eu tive exatamente uma namorada. O nosso namoro durou um mês. Sabe como foi o nosso término? – Lisa, assustada pela proximidade dele, mas suspensa em cada uma das suas palavras, abanou a cabeça – Emily, a garota, me disse: “Zac, eu sei que você gosta de mim. Mas também sei que você gosta muito mais de outra pessoa. E eu não posso ser ela.” Ela tinha razão, Lise. Ela nunca poderia ser você.

Lisa lutou para recuperar a voz. Claro que tudo aquilo inflava o seu coração, mas… Sempre haveria um “mas”.

- Passaram-se sete anos, Zac – ela tentou transparecer firmeza, por mais que tudo nela quisesse simplesmente ceder. Mas para que serviria isso? Para voltar a sofrer?

- E você vai dizer que, nesses sete anos, você nunca pensou em mim uma única vez? De todo? Nunca?

Lisa suspirou, implorando interiormente para que ele simplesmente parasse.

- Ai, claro que pensei! Pensei imensas vezes, Zac! Eu… Caramba! Eu te amo, mas isso não faz com que a gente dê certo, faz?! – o exterior calmo e firme de Lisa tinha ruído completamente. Agora, ela gritava e chorava, mostrando o quanto estava quebrada. Quebrando, por sua vez, o coração de Zac.

Ele aproximou-se mais um pouco dela e segurou o seu rosto. Dessa vez, Lisa encarou-o sem quebrar o contato visual, esperando que ele entendesse. Não iria funcionar.

- Desculpa – ela suspirou e negou, querendo indicar que a culpa não fora dele. Talvez fosse dela, ou talvez nem isso. Talvez só fosse algo que tivesse que acontecer. – Mas você não pode viver com medo, Lise. Temos que admitir: a gente desistiu da última vez. Não foi porque havia algo errado entre nós, ou porque as circunstâncias eram impossíveis. Ficou difícil, sim, isso é verdade. Mas eu me pergunto todo o dia o que teria acontecido se a gente só tivesse aguentado mais um pouco. Só… mais um pouco.

Lisa negava veementemente, agora, seu rosto ainda sustentado pelas mãos fortes de Zac.

- Só mais um pouco? Até quando, Zac? Sempre estaríamos longe. Sempre. Mesmo que eu fosse para L.A., você ainda faria tours, e depois? Mais discussões! – ele soltou o rosto dela e passou uma mão pelo seu, cansado.

- E você não conseguiria confiar em mim dessa vez?

Lisa fitou os olhos de Zac, verdadeiramente tristes por vê-la assim. Verdadeiramente tristes por saber que eles os dois se amavam e que isso não tinha chegado da última vez. Porque faltava confiança, e amor sem confiança é uma receita para o desastre.

- Você fica muito evasivo quando está longe, sabia? – Zac torceu os lábios para ela e assentiu.

- É porque eu sou péssimo a conversar sem ver a outra pessoa. Mas eu posso aprender.

Com toda a sinceridade e disponibilidade que havia nos olhos dele, Lisa só queria dizer que sim e rezar para que desse certo.

- Houve tantas vezes que eu só queria ter você , sabe? Eu sei que se eu te pudesse abraçar nesses momentos, tinha ficado tudo bem.

- Eu sei, Lise. Mas durante esses sete anos, eu pensei em você tendo um momento desses e eu não tendo sequer uma ideia disso. E agora… eu sei que você precisa de mim, Lise. Você só está pensando em emprego e trabalho, não é verdade? Eu ainda te conheço, ruivinha.

Lisa sorriu um pouco, tomando uma decisão de que talvez se viesse, um dia, a arrepender.

- Sim, é verdade – disse, enquanto rezaca interiormente para que tudo desse certo. Depois, agarrou sua nuca e beijou-o em cheio na boca.

***

Sarah estava preocupada. Já passavam duas horas desde a hora marcada para o início do encontro – e isso para não falar de que Taylor prometera estar lá mais cedo. Porém, duas horas depois, ninguém sequer sabia onde ele e Justin se haviam metido. Ela tentava manter uma conversa com sua série interminável de convidados, mas o fato era que estava falhando miseravelmente.  Ela só precisava que Taylor chegasse e então finalmente poderia puxá-lo para o andar de cima e tentar explicar-lhe aquilo em que estava pensando.

Por outro lado, estava muito feliz por Lisa e Zac. Louise entrara na cozinha – atribuindo o fato de a porta estar trancada como uma estratégia para que as crianças não entrassem lá sem vigilância – à procura de outro saco de carvão, para a churrasqueira, e deparara-se com Lisa e Zac em pleno beijo. O espanto impedira-a de reagir com a rapidez necessária e eles os dois notaram a sua presença antes de ela conseguir se esgueirar para o jardim de novo.

- Bem… Eu só vim pegar o carvão, com licença… Se ele já não tiver pegado fogo aqui, não é? Ahah. Não? Pronto, ok – e com isso, Louise saíra de novo para o jardim, saco de carvão na mão, expressão óbvia de quem estava constrangida. E quando Sarah perguntara, ela apenas respondera a verdade. A culpa não era dela, ora essa! Sarah é que tinha que partilhar com Jane e, claro, ninguém pode sinceramente esperar que Jane não aproveite algo assim para fazer piada. Não Jane Streep.

Enfim, tudo isso e mais algumas coisas haviam acontecido em duas horas, e onde estava Taylor? A par da raiva, Sarah sentiu o coração apertar e tentou ligar de novo para ele. Só que dessa vez, ele atendeu.

- Hey baby – ele disse, com o maior à vontade. A raiva de antes fervilhou no peito de Sarah.

- “Hey baby”? “HEY BABY”?! TAYLOR BENJAMIN YORK, ONDE RAIOS VOCÊ SE ENFIOU?!

Taylor viu sua vida passar diante de seus olhos. Ele realmente deveria ter dito algo. Mas como poderia tê-lo feito sem deixá-la desconfiada? Talvez devesse ter escolhido outro dia… Porém, agora estava tudo tratado e arrumado e ele finalmente iria poder fazer aquilo com que vinha sonhando nos últimos tempos. Quando Sarah entendesse, ela riria de sua própria raiva. Hmm… ok, talvez não. Ela tinha a sua razão.

- Foi uma coisa com o Justin, ok? Desculpa.

- Ahh, bem que você pode pedir desculpa, meu querido! Ponha um pé nessa casa e você verá o que “fúria” e “vingança” verdadeiramente significam!

- Amor, eu alguma vez te disse como sua voz fica sexy quando você me ameaça?

Sarah tentou fingir que o comentário não aplacou nem um pouquinho a sua raiva, embora isso fosse mentira.

- E não pense que dizer coisas fofas te vai safar dessa vez!

- Eu sei que não vai, você vai libertar toda a sua raiva indomada em mim assim que me vir, certo? Apesar de eu não ter culpa nenhuma! Mas aquela coisa da raiva indomada, vamos fazer isso – Sarah segurou o riso e revirou os olhos para o celular, mesmo que ele não a pudesse ver. – Você revirou os olhos para mim, não foi? Como se eu não soubesse que você está dando tudo para não rir, Sarah, tsc tsc… E eu esperando que você fosse sincera comigo.

- Eu sou sincera, por que você está dizendo que não sou sincera contigo? – Sarah reagiu de imediato, tomando isso como um comentário àquilo que ela queria dizer e ainda não tivera hipótese.

- Ei, calma! Estava brincando… Mas assim parece que você realmente tem algo para me contar, não é? – a curiosidade de Taylor se aguçou.

- Tenho, mas não antes de te fazer desejar nunca mais se atrasar para vir ter comigo.

- Hmm, gosto de como isso soa – Taylor voltou a declarar e Sarah bufou para o pequeno aparelho. – Pronto, pronto. Desculpe-me, minha razão de viver, mas eu juro que não volto a atrasar-me para ir ter consigo, ok? Aliás… estou bem na tua porta.

- Você e Justin? – ela questionou, já se encaminhando para a sala.

- Sim, porquê?

- Porque eu tenho que ajustar minhas contas com ele também – do outro lado da linha, outra voz ecoou e Taylor riu.

- Ele diz que já vai ter que lidar com Jana, então você poderia dar-lhe um desconto.

- Não! Ele não deveria ter roubado meu namorado se não queria levar uma bronca de duas mulheres diferentes. E prepare-se, estou chegando.

Sarah desligou a ligação e abriu a porta, onde Taylor e Justin esperavam, expectantes. Ela fitou-os a ambos durante alguns segundos.

- O que vocês têm a dizer em vossa defesa? – suas sobrancelhas erguidas indicavam que esta não era uma altura para brincar.

- A culpa é toda de Taylor, ele que me arrastou para Nashville, bye – Justin falou tudo de um fôlego e correu, através da casa, para o jardim. Taylor fitou as costas do irmão de queixo caído.

- Já viu? Você pensa que pode confiar no seu irmão e BAM! Ele te trai.

- Hmm… soa muito com “você pensa que pode confiar no seu namorado e ele desaparece durante várias horas sem dar qualquer notícia”…

Taylor suspirou e passou a encarar a namorada, parecendo, na verdade, um pouco arrependido.

- Você ficou realmente chateada? – ele perguntou, sério. Ela, séria, assentiu. Ele deu um passo em direção a ela e abraçou-a. – Desculpa, amor. Eu juro que foi por uma boa causa.

Ela afastou-se só um pouco para poder olhar nos seus olhos, apesar de saber que essa não seria a decisão certa a tomar se queria manter um pouco da raiva. A questão era: onde tinha ela espaço para sentir raiva, quando tudo o que via diante de si era nervosismo e ansiedade?

- Só não volte a fazer isso, ok? Desaparecer sem dar notícias é horrível.

- Você tem razão, desculpa – ele repetiu, enquanto ainda abraçava a sua cintura e beijava a sua testa. – Mas não importa, porque eu sempre vou voltar para você.

Sarah riu do tom dramático que ele imprimiu a uma promessa que já tinha repetido milhões de vezes, mas que nunca perdera o seu significado. Dramatizada ou não, era verdade.

- Ok, Don Juan, você já provou o seu ponto – Sarah disse, enquanto se soltou para entrar de vez na casa. Taylor seguiu-a, fechando a porta.

- Mas você não. Onde está a raiva aliciante que me fez correr para aqui o mais depressa possível?

Sarah voltou-se para ele a meio da sala, atônita.

- Tirou umas férias, mas se você quiser, eu peço para ela voltar mais cedo – o seu tom era de ameaça.

- Rawr – Taylor fez, enquanto levantava e baixava rapidamente as sobrancelhas. Dessa vez, Sarah não conseguiu segurar o riso.

- Tay, meu amor, não leve isso a mal, mas você é tão idiota.

- Sarah, meu amor – ele disse enquanto chegava mais perto dela de novo. Ela cedeu e passou as mãos por seus ombros – não leve isso a mal, mas você ama isso.

Ela riu e revirou os olhos.

- Eu sei.

E logo, os lábios de Taylor estavam sobre os dela, calando-a da forma mais gostosa que ambos conheciam. Por um momento perfeito, não havia nada para além deles os dois no mundo. O nervosismo escorria lentamente de ambos, dando lugar a uma corrente elétrica inteiramente diferente. Tudo estava justificado naquele beijo, e tanto um como o outro tiveram certeza absoluta de que tinham tomado a decisão certa.

Foi por isso que, assim que o beijo se quebrou para que os dois pudessem recuperar o fôlego, enquanto suas testas se colavam e suas respirações se misturavam, Sarah fixou os olhos verdes diante de si e sussurrou:

- Casa comigo.

Taylor devolveu-lhe uma expressão congelada, estupefacta.

- O quê?! – ele mal podia acreditar. Ele não confiava mais nos seus ouvidos. Seria possível?!

- Casa comigo – Sarah repetiu, mais alto e mais convicta. Era isso o que ela queria. Ela sabia que Taylor também haveria de querer isso, senão agora, pelo menos um dia.

Em lugar da resposta, Taylor afastou-se um pouco e riu-se. Gargalhou. Mas não era o tipo de gargalhada que dizia “você só pode estar brincando”. Não, era o tipo de gargalhada que soava a felicidade e esperança, embora também contivesse um toque de ironia que Sarah não sabia bem localizar. Porém, enquanto ele estendia a mão para o bolso da calça e retirava uma pequena caixa, ela deu por si rindo exatamente do mesmo jeito.

Quando ele abriu a caixinha em direção a ela, o sorriso na cara de ambos era impagável.

***

Mais tarde nessa noite, depois de todos terem regressado a casa – sabendo já as novidades e tendo congratulado os noivos –, Sarah e Taylor subiram para o antigo quarto dela, onde deram o seu melhor por caber na estreita cama de adolescente. Sarah pegou uma caneta e o antigo diário, parando de escrever, de vez em quando, só para apreciar o lindo anel que decorava o seu dedo anelar direito – e para imaginar o dia em que o anelar da outra mão também teria direito a alguma decoração. Taylor, com o queixo pousado no seu ombro – onde sua barba por fazer picava um pouco a pele exposta –, lia o pequeno texto conforme sua noiva o ia redigindo.

“Pode acreditar, ou não, querido diário semi-esquecido, mas eu e Taylor resolvemos que não haveria melhor forma de viver o dia de ontem do que revivendo o passado. Por isso, achamos por bem relê-lo a si e ao gêmeo que você nunca soube ter. Isso funcionou – se me perdoa a comparação pouco glamorosa – como um bumerangue: trouxe-nos de volta as memórias, sim, mas também tudo aquilo que já construímos e ainda poderemos construir sobre elas. Trouxe-nos de volta aquele amor simples e puro que nos aproximou em primeiro lugar. E esse era exatamente o encorajamento de que necessitávamos para entender que, quando caminhamos juntos, devemos sempre caminhar em frente.

Quanto a hoje, tenho que admitir que todas as memórias que avivamos durante a tarde passada correram livremente pelo meu pensamento, enchendo-me de um sentimento muito único: um enorme sentido de realização pessoal, que nem terminar o meu curso conseguiu superar. Enquanto isso, minha mente observou todo o percurso que eu fiz para chegar onde estou. Eu mudei muito, ultrapassei muita coisa e, hoje, sou capaz de perceber que a felicidade é algo que depende de mim. E, com o tempo e a experiência, entendi também o que eu tenho que fazer para a conseguir e quais as coisas de que tenho de abdicar. Por outras palavras – se me perdoa agora a metáfora redundante, ainda pouco glamorosa –, aprendi em que direcção atirar o bumerangue para que ele viesse parar no ponto em que eu quero. Claro que, por vezes, ainda falho, mas a minha vida ainda tem muitos caminhos por onde passar e muita coisa para aprender. E isso só me faz sentir mais feliz.

Depois de colocar o anel no meu dedo, Taylor segurou minha mão e baixou um pouco o olhar até mim – já que ele deu um pulo no final da adolescência, me ultrapassando em largos centímetros. Ele sorria e seu olhar dizia tudo o que eu precisava de saber. E então entendi que aquela mão – a que fizera a jóia deslizar pela minha pele tão suavemente, apesar de estar tão carregada de simbolismo –, eu não queria mais largá-la.
Ela puxou por mim todos esses anos, me encorajando e apoiando, assim como eu fiz por ela. Mas nem é pelo passado, sabe? É porque há um canto na minha consciência – agora cada vez maior – que me garante que essa é a minha vontade: apertar a mão de Taylor para sempre, ainda que isso não seja possível. É assim que nós funcionamos: por mais que os acontecimentos da vida nos forcem a separarmo-nos por algum tempo, nós vimos sempre dar ao mesmo lugar. Porque, no fundo, ambos sabemos que esse é o lugar onde pertencemos. Ao lado um do outro.

Enquanto nós nos beijávamos mais uma vez – e outra e outra e outra e outra –, pude sentir sua pequena barba picando minha cara, bem ao contrário do dia em que nos beijamos pela primeira vez. Sua mão pousava na curva da minha cintura, que também mudou desde essa altura, estando agora bem mais pronunciada. E mesmo tendo nós repetido essa demonstração de amor tantas vezes desde aquele dia em L.A., nada cansa. Seu carinho, nossa proximidade, o fogo delicioso que ela cria no fundo do meu estômago… tudo está igual e me faz sentir amada do mesmo jeito.
Mas as coisas não são mais iguais.
Ele está um homem.
Eu estou uma mulher.
E nós nos vamos casar.


Sarah Bayley-Jones, 8 de agosto de 2018”

Capítulo 41 - Parte I

One Last Time


Música do capítulo: One Last Time – The Kooks

Sarah acordou de coração leve nessa manhã de domingo. Sua mente demorou algum tempo a situar-se no antigo quarto da sua adolescência, e ainda mais a descobrir-se sozinha nele. Fazia cinco anos que se mudara para L.A. e passara a dormir, aos poucos, do lado de Taylor: acordar sozinha não era algo a que estivesse acostumada. Porém, não lhe foi concedido muito mais tempo para se situar: a vozinha fina e muito entusiasmada que ecoava pela casa estava agora do lado de fora da porta do quarto. Momentos depois, a criança de três anos adentrava o cômodo impetuosamente, utilizando seu tom infantilmente agudo para acordar a irmã.

- XARAH! XARAH!

A mais nova pulou para cima da cama e, consequentemente, para cima de Xarah, essa última enchendo-se de uma paciência que não sabia que tinha – o que era algo que vinha acontecendo muito desde que Theresa tinha nascido.

- THERESA MARIE! – o uso de ambos os nomes próprios nunca falhava em recolocar a criança na linha – Eu estou acordada, calma! O que foi?

- O papai e a mamãe sairam e dixeram p’a eu acordá você, porque, porque… – Theresa era também exímia em perder o foco a meio da frase, tendo de repetir a mesma palavra inúmeras vezes, enquanto suspirava. Ainda bem que Sarah era agora um copo transbordando de paciência – Porque eles qué que você ajude quando, quando… Quando chegá.

- Quando chegarem – corrigiu Sarah.

A pequena assentiu para a mais velha, logo substituindo o ar sério por um largo sorriso. Sarah fazia cosquinhas na irmã, que alinhou de imediato na brincadeira, soltando pequenos gritos entre suas risadas estrondosas. Sarah, embora divertida, cuidou de ir parando aos pouquinhos. Afinal, teria de se arrumar antes de seus pais regressarem, uma vez que, quando isso acontecesse, teria de os ajudar a preparar tudo o que era necessário para o churrasco de que seriam anfitriões essa mesma tarde.

- Vem, anjinho, vamos escolher o que a mana vai vestir hoje.

Theresa respondeu prontamente, levantando-se da cama e acompanhando a irmã numa curta caminhada até à mala aberta, do outro lado do quarto. Após uma breve observação das roupas um pouco desarrumadas, ela bateu insistentemente na perna de Sarah, novamente animada:

- Shóti!

- Short – Sarah corrigiu, entre sorrisos, enquanto pegava a pequena peça de roupa e escolhia um top fluído e branco para combinar.

Pousou as duas peças na cama, fitando-as com mais atenção, agora que Theresa se distraía com um brinquedo que tinha trazido para ela e se esquecera de tirar da mala (como tudo o resto). Olhando para o short em particular, lembrou-se da luta que foi decidir colocar ou não um parecido, 7 anos antes. E de como havia tanta coisa com a qual ela se preocupava naquela altura que não era mais um problema. E de como agora tinha problemas que nem lhe teriam passado pela cabeça então. E de como tinha mudado tanto, e de como era feliz agora, e de como, apesar disso, fora tão bom recordar aquele ano tão importante na sua vida.

Era bom poder olhar para trás e lembrar de todas as pessoas importantes para si na época. Pessoas essas que viriam a sua casa mais tarde; pessoas com quem, finalmente, poderia partilhar um dia de convivência de novo. As saudades que sentia de muitas delas normalmente só podiam ser aplacadas pela Internet ou por telefone, já que viviam noutras zonas do país. Mas não hoje. Hoje ninguém ficaria de fora e Sarah poderia, verdadeira e completamente, deliciar-se com a doçura da felicidade sem sentir a pontada amarga da saudade. Família próxima e alargada, amigos antigos e não tão antigos (como Izzy)… Taylor.

Taylor, Taylor, Taylor. Mesmo morando agora com ele, era complicado estar sempre com ele – e era inevitável sentir o aperto da saudade quando não estava. Ela tinha se apaixonado por um músico, afinal; teria que lidar com as consequências que constantes tours e concertos implicavam. O próprio estudo e recente emprego dela  eram, muitas vezes, impedimentos. Mas tudo isso eram responsabilidades que, no final do dia, ambos se orgulhavam de ter. Que os faziam sentir-se realizados e úteis. E, afinal, o que era um pouco de saudade para um casal que já aguentara tanto e, sobretudo, se amava tanto?

***

No quarto 306 de um dos não tantos hóteis de Franklin, Jeremy, lavadinho e cheiroso, vestia sua camisa e calção. Todos os seus pensamentos – tal como os de Sarah – se prendiam às expectativas que alimentava em relação a esse dia. Desde que ela tinha anunciado o que faria e marcado uma data em que todos teriam a chance de estar em Franklin (o que não fora propriamente fácil), Jeremy vinha fantasiando com aquela reunião. Claro que estava com Sarah e a banda praticamente todos os dias (e também sua mãe, que acabara por se mudar para L.A. há alguns anos atrás, com o seu padrasto), mas havia pessoas que, pelo contrário, já não via há anos! E, além disso, havia novidades na sua vida que ele precisava compartilhar. Pessoas que precisavam se conhecer mutuamente.

Preso a esses pensamentos e a suas perspetivas de como esse primeiro contato se desenrolaria, Jeremy mal deu pela outra presença no quarto.

- Me dê uma ajudinha aí, pode ser?

Ele sorriu com a doçura presente naquela voz, atravessando o quarto até ela. Ela segurava o cabelo para cima. Jeremy correu lentamente o zíper do vestido e deixou um beijo nos ombros expostos.

- Obrigada, loirinho.

- Te amo, Katt.

***

No quarto ao lado, a cama estava ainda desarrumada e – imaginem só – ocupada. Cabelos cor de fogo estendiam-se sobre ambos os travesseiros e, entre uma confusão de cobertores, lençóis e edredões, as pernas da garota apareciam aqui e ali, sugerindo uma posição completamente inesperada. Hayley era criativa até dormindo.

A porta do banheiro abriu-se, revelando um Josh já vestido, mas de cabelo molhado. Ele suspirou assim que adentrou o cômodo.

- Hayley! Acorda, sua chata – a garota mexeu-se um pouco com o som, mas não deu sinais de ter acordado.

Josh suspirou de novo e rolou os olhos, mas, observando melhor a namorada, não conseguiu reprimir um sorriso. Não era apenas o seu jeito inédito de dormir – um reflexo bastante claro da sua personalidade –, mas o simples fato de, depois de tanto tempo, ela ainda estar ali. O que dizer? O regresso a Franklin tinha-o deixado nostálgico de uma forma boa.

Ele aproximou-se da cama e, empurrando uma das pernas da garota, deitou-se com ela. Abraçou-se a suas costas e, mexendo no seu cabelo, tentou acordá-la sussurrando em seu ouvido e distribuindo beijos pela pele que conseguia alcançar. Depois de longos minutos e de Hayley se retorcer bastante, ela finalmente esfregou os olhos e os abriu.

- Bom dia – sua voz rouca de sono tinha um tom um pouco infantil, talvez até um toque de aborrecimento por estar sendo acordada. Josh riu.

- Bom dia, dorminhoca. Vamos levantar que o sol já vai alto.

Ele saltou para fora da cama, onde Hayley surpreendentemente se retorcia e reaconchegava nos cobertores já completamente revirados. Josh bufou e puxou todas as cobertas para longe da namorada, que se sentou na cama, protestando.

- HEY! Eu estou tentando dormir!

- E eu estou tentando te acordar! Sério, Hayley, você tem que se começar a arrumar agora, ou a gente vai chegar atrasado! De novo!

Hayley suspirou, esfregando os olhos semicerrados pelo sono e pela claridade que enchia o cômodo. Sua vontade era simplesmente ignorar Josh e deitar de novo, mas a ideia do que poderia perder caso chegasse atrasada ao seu compromisso era demasiado repulsiva. Tomando uma decisão súbita, ela se levantou da cama com um pulo. Josh olhou-a, perplexo.

- Você tem toda a razão – ela caminhou até ele, seus olhos ainda um pouco fechados, mas brilhando de entusiasmo. – Obrigada por ser o namorado mais perfeito.

- Você está bem? – Josh estava mais confuso do que nunca. Levou uma mão à testa coberta pelos cabelos laranja, tirando a temperatura – Está doente?

Hayley bateu na mão dele e sorriu, o mesmo brilho de entusiasmo espalhando-se por toda a sua expressão. Enlaçou seus braços nos ombros de Josh, ficando em bicos de pés para igualar sua altura – pelo menos, até onde lhe era possível – e deixou um breve beijo nos lábios dele.

- Estou ótima. E animada!

- É, estou vendo – ele riu de novo do sorriso bobo que se alargava pelo rosto que ele tanto amava. – Não se esqueça que ainda vamos almoçar a minha casa primeiro, pegar Zachary e só depois vamos para casa de Sarah.

- Aham – Hayley fez, mantendo seu sorriso sonhador e sua postura animada e se encaminhando para o banheiro, provavelmente para se duchar. Josh observou toda a cena, ainda perfeitamente perplexo.

- Sarah – ele disse por fim, falando para o nada – você fez um milagre.

***

- É UM MILAGRE! – o garoto de 15 anos exclamou, exagerando comicamente sua reação ao ver a porta do banheiro ser finalmente aberta. O mais velho, que o abandonava já vestido, bufou para o irmão.

- Agora você sabe o que eu sofria quando tinha a sua idade! Josh e aquele penteado trabalhado na chapinha… Uff, nem queira saber.

Se havia algo que Jonathan gostava mais do que rir de Zac, era rir de Josh. Sua postura  sempre tão correta despertava um qualquer instinto no adolescente, e Jon acabava por não se conseguir conter de fazer piadas nos piores momentos. Talvez ele apenas saísse a Zac. Sabe Deus o quanto certas piadas “zacarianas conseguiam ser inconvenientes, sobretudo com Josh.

Mas Zac não estava fazendo piadas hoje. Comentários espirituosos? Talvez. Mas isso era apenas porque essa era a sua natureza quando estava nervoso. E se estava nervoso! O problema era que a razão pela qual estava nervoso era a mesma que o fazia tão… triste. Sim, triste.  Era isso o que ele estava sentindo, tinha que admitir. Nervosismo e tristeza.  Nostalgia.

Can I hold you one last time?
To fight this fear that is growing in my mind
I know I did us both oh, so wrong
I know I’m not always all that strong

(Posso abraçá-la uma última vez?
Para lutar contra esse medo que está crescendo na minha mente
Eu sei que fiz tanto mal a nós os dois
Eu sei que não sou sempre tão forte assim)

Zac observou sua figura vestida e arrumada no espelho. Ultimamente, não conseguia parar de compará-la com sua versão de há 7 anos atrás – mais precisamente, desde que Sarah falara pela primeira vez na sua intenção de organizar uma espécie de reunião. Fora como se, de repente, Zac tivesse de parar de fingir e de mentir a si próprio.

A, B, C, D, E, F and G
That reminds me of when we were free
Before life began to tear us apart
Remember those classes when we thought we were so smart?

(A, B, C, D, E, F e G
Isso lembra-me de quando éramos livres
Antes de a vida começar a nos separar
Lembra-se daquelas aulas quando pensávamos que éramos tão espertos?)

Em frente àquele mesmo espelho de há 7 anos, ele encarou a verdade: ele não a tinha esquecido, coisa nenhuma. Ele não tinha avançado; sua vida não tinha melhorado sem ela. Ele não estava menos preocupado, menos estressado, menos infeliz. Na verdade, tudo isso só tinha piorado. Claro que ele se sentia feliz pela banda e pelos progressos que estavam fazendo, mas, ao final do dia, isso era a única coisa que ainda o fazia sentir-se útil. Ele amava seus amigos, não o interpretemos mal, mas vê-los a todos tão felizes… só realçava o quanto ele tinha sido idiota em desperdiçar sua chance de ter o mesmo.

We were lovers in every way
Left school together, went back to my place
Now I can hardly remember her face
Before I met her, I was sad

(Éramos amantes em todos os sentidos
Saíamos juntos da escola, voltávamos para minha casa
Agora mal me consigo lembrar da cara dela
Antes de conhecê-la, eu estava triste)

E porque o tinha feito? Não conseguira lidar com a pressão. Não conseguira acreditar na relação que tinha. Ficara com medo e desistira. E ela merecia tanto mais do que isso. Ele podia ver isso agora, mas de que adiantava? Ele vê-la-ia, essa tarde, feliz, independente, bem sucedida. E por nada, nada nesse mundo, ele poderia ser egoísta o suficiente para arruinar tudo isso. Se fora egoísta e deixara que sua relação com Lisa terminasse há 7 anos atrás, agora não podia ser egoísta e tentar reavê-la.

Tinha tido sua chance. Desperdiçara-a. Estava na altura de aceitar isso e, se não podia seguir em frente, pelo menos tinha que deixar que quem ele ainda amava o pudesse fazer.

Can I hold you one last time?
To fight this fear that is growing in my mind

(Posso abraçá-la uma última vez?
Para lutar contra este medo que está crescendo na minha mente)

***

- Você vem ou não, Justin?

No meio da balbúrdia da cozinha – que em muito se devia à criança de 6 anos que chorava por ter perdido sua boneca favorita, enquanto os adultos presentes tentavam consolá-la –, a grosseria de Taylor era praticamente inaudível. Sobretudo para o irmão, que em vão tentava acalmar sua filha.

- Meu Deus, que se passa nessa casa? – Marie entrava no cômodo, toda ela o perfeito exemplo da boa disposição. Taylor deu graças aos céus. Se alguém saberia lidar com Allison, seria sua mãe – Bom dia, meus amores.

Cada um deu sua resposta a seu tempo e a pequena, só de escutar aquela voz, refreou o seu choro e ofereceu-lhe também um “bom dia” soluçado. Marie aproximou-se da neta e, tirando-a da cadeira onde estava sentada, pegou-a ao colo. Para uma criança de seis anos, Allison era bem pequenina.

- O que aconteceu com minha neta preferida? Hm? – Marie passava seu dedo ágil pelas costelas da menina, fazendo cosquinhas nela. O choro parara por fim e o esforço que ela fazia para não rir e parecer ainda triste era quase cómico.

- Hayley desapareceu, vovó – a menina respondeu, fazendo biquinho. Com sua avó, ela poderia dar-se ao luxo de ser um pouco manhosa.

- Eu já me ofereci para lhe comprar outra boneca, mas ela não quer – Taylor informou sua mãe, enquanto se apoiava nas costas de uma cadeira e verificava as horas. De todos os dias, de todas as horas, Allison, uma menina geralmente bem comportada, tinha que escolher esta para ter uma crise. Taylor suspirou.

- Não se pode substituir a Hayley assim, tio.

- Pff, a quem você o diz. Acho que Deus ainda não conseguiu inventar uma garota ruiva tão preguiçosa quanto Hayley – enquanto falava, Taylor carregava dramaticamente sua expressão, tornando o trocadilho entre a boneca e a Hayley real ainda mais cómico.

O fato é que Allison tinha batizado sua boneca de “Hayley” devido a seus cabelos ruivos vivos, os quais eram realmente difíceis de achar numa boneca.  Talvez também não fossem assim tão comuns nas mulheres reais, mas para Allison, que tinha crescido perto de Hayley, ter cabelos cor de fogo era a coisa mais natural do mundo. Mesmo que ela tivesse descoberto que eles se deviam a extensas camadas de tinta, ainda no ano anterior. Para ela, fora pior que descobrir que o Papai Noel não existia. Mas felizmente, o choque já havia passado e ela podia voltar a apreciar a linda cor, como sempre fazia.

- Hayley não é preguiçosa, ela é linda! – todos os presentes riram da declaração entusiasmada e convicta da criança.

- Acho que uma coisa não impede a outra, filha – Jana respondeu, levantando-se para arrumar a louça suja do café da manhã. Sua filha chorosa, porém, não tinha comido nada. Quem sabe, agora mais animada, ela fizesse o esforço. – Sobrou um pouco de bolo, ainda. Você quer, Justin? Taylor? – ambos negavam, rindo-se disfarçadamente da manobra da mulher. Allison, ainda no colo da avó, olhava para a fatia de bolo de chocolate com desejo. Jana aproximou-se dela – Oh! Mas como eu me poderia esquecer! Ela ainda nem comeu nada! Você quer… Marie?

- Não! – Allison entrecortou, antes que Marie pudesse responder – Vovó, eu te amo, mas eu quero o bolo.

Enquanto todos se riam e Jana se congratulava pela brincadeira bem sucedida, Marie sentava a pequena Allison de novo na cadeira. Ela atacou seu café de manhã com uma fome que mostrava já se ter esquecido da questão que a atormentava há pouco. Taylor, agora com menos um problema para resolver, sentiu a onda de nervosismo nascer de novo no seu estômago e estender seus tentáculos por todo o seu corpo. Seu celular vibrou intensamente no seu bolso e, durante uns segundos, ele não entendeu se isso era real ou era apenas sua perna tremendo. Suspirou de novo perante o nome que o visor mostrava. E por isso é que ele era péssimo com surpresas. Atendeu.

- Bom dia – a voz, ainda um pouco rouca de sono, fê-lo sentir-se instantaneamente mais calmo. Quase como se estivesse também ele acordando do lado dela.

- Bom dia, princesa adormecida. Demorou para acordar, hein?

- Demorei nada, só que tive que ligar para o meu outro namorado primeiro.

Taylor riu da piada inesperada. O nervosismo regressava a pouco e pouco, mas estava bem mais controlado que antes. Talvez a recordação de que tinha tomado uma boa decisão estivesse ajudando.

- Oh, claro. Espero que lhe tenha dito que não tem tempo para ele hoje.

- Você não sabe? Ele também vem à reunião – o tom provocatório dela era declarado e Taylor sabia que, caso estivesse com ela nesse momento, não teria se conseguido impedir de terminar prematuramente a conversa com um beijo.

- Faz sentido. Apresentá-lo à família e amigos, ao outro namorado, e tudo o mais.

- É isso mesmo. Acho que eu e ele estamos num ponto realmente chave da nossa relação.

A onda nervosa assolou Taylor de novo, respondendo quase automaticamente às últimas palavras da garota.

- E você e este seu namorado? Também estão num ponto chave? – ele tentou imprimir a suas palavras o mesmo tom brincalhão de toda a conversa, mas sentiu ter falhado miseravelmente. Uma outra voz mais aguda, porém, fazia-se ouvir do outro lado da linha, e Sarah pareceu ter sua atenção desviada.

- Theresa acabou de virar o copo de suco, Tay, tenho que desligar. Te amo.

- Tudo bem, até mais tarde. Te amo.

- Prepare-se para o melhor dia da sua vida!

O som da linha a desconetar dominou tudo por um momento e, depois, Taylor estava de volta à cozinha de seus pais, onde Allison, novamente feliz, comia seu bolo alegremente, enquanto Marie e Jana conversavam de forma animada. E Justin? Justin desaparecera, mas não por muito tempo. De chaves na mão, ele reentrava na cozinha, deixando uma palmada nas costas do irmão.

- Então, vamos? Está pronto? – Taylor sorriu para o irmão, o nervosismo corroendo-o por dentro em resposta à sua lembrança do que iam fazer. Porém, depois da pequena conversa sem qualquer sentido senão para os dois, Taylor tinha mais certeza do que nunca.

- Estou pronto – ele assentiu, dizendo adeus às três lindas meninas que povoavam a cozinha, e completando mentalmente: “estou pronto para o melhor dia da minha vida”.

***

Lisa arrumou a louça que acabara de lavar, olhando em volta para a cozinha vazia. Seus pais ainda dormiam, depois de os três terem passado uma noite de extravagância, começando pelo jantar num restaurante extremamente chique e, mais tarde, a sessão da meia noite no cinema de Nashville. Lisa teve de conduzir de regresso a casa, porque, mesmo sendo a mais nova, era facilmente a mais responsável dos três adultos. Seu pai deixava-se influenciar demasiado por sua mãe.

E, para ser justa, ainda era bastante cedo. Se conseguisse, também ela estaria dormindo a essa hora. Mas a perspetiva de tudo o que poderia acontecer nesse dia acordara-a a meio da noite e não a deixara voltar a dormir desde então. Dera voltas e voltas entre os lençóis, mas nenhuma posição ou pensamento parecia atenuar o nervoso miudinho que se instalara na boca do seu estômago.

Can I hold you one last time?
To fight this fear that is growing in my mind
I know I did us both oh, so wrong
I know I’m not always all that strong

(Posso abraçá-la uma última vez?
Para lutar contra esse medo que está crescendo na minha mente
Eu sei que fiz tanto mal a nós os dois
Eu sei que não sou sempre tão forte assim)

Havia uma razão pela qual ela estava em Franklin, claro. Não era seu costume regressar à cidade fora da época natalícia, sendo que eram seus pais quem viajava quando a saudade apertava. Por vezes, também ia a Nova Iorque – sobretudo se Sarah também estivesse lá, de visita a Jane –, mas Franklin no verão era algo que ela já não via há… 5 anos. Desde o dia em que partira para a universidade, feliz por não ter que lidar mais com as mesmas ruas, as mesmas caras, as mesmas memórias. A sua partida para Salt Lake City, Utah, há 5 anos atrás, tinha-lhe sabido a liberdade.

Cinco anos depois, já de curso terminado, Salt Lake City era, para ela, uma casa. Conhecia os cantos à cidade, tinha amigos, lugares preferidos, um apartamento. Era cliente habitual de algumas lojas; sabia onde ir se tivesse um certo problema; sabia onde se poderia divertir. E agora que terminara o curso, pretendia procurar um emprego lá. Assim que o conseguisse, o mais provável é que ficasse lá para sempre.

Lisa era uma pessoa feliz. Estava concretizando os seus sonhos, tinha boas perspetivas de futuro, tinha a companhia de bons amigos. Tinha alguns pretendentes, também, embora nada sério. Então, que razão obscura a fizera sentir-se triste ao regressar a Franklin nessa altura do ano, sendo que ia rever todos os seus amigos de longa data? A resposta à questão residia exatamente no todos. Nisso, e no que tinha acontecido no dia anterior, quando chegara.

Enquanto desfazia as malas e arrumava suas coisas pelo quarto praticamente intato desde que o abandonara, encontrara um álbum de fotos antigo. Fotos de L.A. Lisa só tinha estado em L.A. uma única vez, num verão há 7 anos atrás. Nunca, desde então, ela retornara a L.A., e o próprio desejo que tinha que retornar só durara alguns meses. Tantos quantos os que durara sua relação com Zac.

Ao rever suas fotos com seu grupo de amigos adolescentes, Lisa não se conseguia impedir de sorrir junto com eles. Via na sua expressão uma descontração que, por mais feliz que fosse agora, nunca mais recuperara. Era uma expressão que talvez ela exibisse mais vezes se tivesse saído a sua mãe, praticamente famosa por ser relaxada. Mas responsável, preocupada, perfecionista como era, Lisa tinha procurado como companhia pessoas iguais a si. Suas amigas eram, na maioria, assim. Os rapazes com quem saía eram assim. Focados e ambiciosos. Escrupulosos e atentos. Tudo boas qualidades, provavelmente, mas também antônimos de descontração.

Pensando nisso, Lisa lembrou-se de um outro momento, há cerca de 4 anos. Faltava uma semana para os exames finais do seu primeiro ano de universidade, tudo cadeiras que requeriam um intenso estudo. E apesar de já ter começado esse mesmo estudo um mês antes – ou talvez por isso mesmo –, sua cabeça estava a ponto de explodir. Cada frase que ela lia, cada esquema que analisava, era mais um degrau que subia na direção do pânico omnipresente que a vinha consumindo. E ali mesmo, no seu quarto vazio de residência universitária, ela desatara a chorar sobre o livro de resumos que estudava. Não aquele choro calmo e silencioso. Não. Ela soluçava de pânico, convencida de que ou morreria de tanto estudar, ou reprovaria a todos os exames. As dores de cabeça que sentia eram uma verdadeira tortura, e a cada soluço, elas pioravam – o que a fazia soluçar mais.

Nunca se tinha sentido tão incrivelmente cansada na vida e, contudo, não conseguia parar de soluçar. E naquele momento em que lhe pareceu que o mundo não era mais do que aquele buraco escuro em que se tinha metido, onde o sol não voltaria a nascer, Lisa chamou por Zac. Como se, a tantos quilômetros de distância como o que os separavam – e a tanta distância emocional que agora se interpunha entre os dois –, ele pudesse simplesmente aparecer e abraçá-la e fazer piadas idiotas que a convenceriam de que o mundo era, de fato, muito maior do que aquele quarto vazio, do que aquele livro de resumos, do que aqueles exames horrendos que ela sentia não ter mais forças para enfrentar.

A, B, C, D, E, F and G
That reminds me of when we were free
Before life began to tear us apart
Remember those classes when we thought we were so smart?

(A, B, C, D, E, F e G
Isso lembra-me de quando éramos livres
Antes de a vida começar a nos separar
Lembra-se daquelas aulas quando pensávamos que éramos tão espertos?)

Quando se pegou clamando o nome dele por entre soluços, Lisa passou a chorar pelas saudades que sentia, e que nunca tinha completamente assumido. O término da relação dos dois fora um choque para ela, apesar das discussões intermináveis que eles tinham na época. Mas prometera a si mesma ultrapassá-lo tão depressa quanto conseguisse, e foi isso mesmo o que fez. Tentou esquecer tudo o que ainda a ligava àquela fonte de dor. Mas então, três anos passados sobre aquela discussão terrível que finalmente acabara tudo, Lisa via que realmente nunca tinha conseguido. Que nunca tinha ultrapassado. E que nunca, por mais que tentasse e prometesse a si mesma, conseguiria esquecer-se completamente de Zac e de tudo o que ele a fizera sentir. Porque, no fundo, ela ainda o amava. E sempre amaria.

We were lovers in every way
Left school together, went back to my place
Now I can hardly remember her face
Before I met her, I was sad

(Éramos amantes em todos os sentidos
Saíamos juntos da escola, voltávamos para minha casa
Agora mal me consigo lembrar da cara dela
Antes de conhecê-la, eu estava triste)

Não era algo que Lisa entendesse; era algo que simplesmente sabia. Mas sabia também que havia um motivo pelo qual a relação tinha terminado, e talvez nunca fosse dar certo. Já tinham experimentado uma vez e tinham falhado. Para quê torturar-se de novo para obter os mesmos resultados?

Quando se conseguiu acalmar de novo, naquela noite, Lisa olhou-se ao espelho. Aceitou os fatos: amava Zac e isso nunca iria mudar, mas eles os dois nunca resultariam como casal. Ele sempre estaria viajando e ela sempre estaria esperando por ele, e não era isso o que ela queria para si. O que ela queria, isso sim, era ser independente. E isso incluía ser forte o suficiente para lidar com qualquer tipo de pressão e nunca mais desejar que Zac estivesse com ela. Ela não precisava dele; ela não precisava de ninguém.

Desde então, ela tinha se tornado ainda mais focada e trabalhadora, mas também tinha aprendido a lidar com a pressão e a ser sua própria moderação. Distrair-se quando era necessário. Colocar os problemas em perspetiva. Arranjar soluções, acima de tudo. Lisa era, ao fim e ao cabo, uma máquina lutadora que enfrentava o mundo sozinha. Mas as máquinas não sentem. E, por mais feliz que fosse, ela tinha que reconhecer que seus sentimentos hoje eram muito superficiais comparados com os que as fotos demonstravam. Acima de tudo, nunca mais fora aquela garota despreocupada que sorria, estendida na areia, ou brincando na água, ou de mão dada com Zac.

Muitas coisas haviam mudado nela, mas nenhuma delas fora seu amor por Zac. E espantou-a como um amor que lhe tinha feito tão bem em tempos, agora era apenas uma espécie de maldição oculta, que a impedia de alguma vez se voltar a apaixonar, de voltar a sentir tão intensamente como fizera naquela época.

E assim, ninguém poderia recriminá-la por não estar propriamente animada por rever Zac. Hayley, Josh, Jeremy – eles sim, já não os via há tanto tempo que a ideia de poder passar algum tempo com eles era quase confortante. Mas ter que rever Zac e falar com Zac e… bem, só pensar em Zac estava perturbando-a bastante. O que poderia fazer durante o resto do dia?

Can I hold you one last time?
To fight this fear that is growing in my mind

(Posso abraçá-la uma última vez?
Para lutar contra este medo que está crescendo na minha mente)

***

- Sério, Jane, olha que quarto tão depressivo, meu Deus!

- Ai, Izzy, poupe-me! O que você tem contra um quarto azul escuro?

Jane, debruçada sobre a mala, escolhia a roupa a usar nesse dia. Saia ou short? Saia ou short? Izzy, por outro lado, já estava perfeitamente pronta e arranjada, o que só estava aumentando a irritação de Jane. Já era costume Izzy arrumar-se antes de todos os membros da Blueprint of a Broken Heart – o que, claro, incluía Jane –, mas, com o nervosismo que sentia, Jane ter-se-ia irritado com qualquer coisa.

- Sabe que mais, sua baixista “nada depressiva”? Faça-se prestável e ajude-me a escolher a roupa certa para hoje, vamos.

- Ai, Jane! Você tem que me explicar o que se passa com você, isso sim – Izzy pegou na saia e no short que a amiga segurava e voltou a colocar na mala. Depois, puxou-a e sentaram-se as duas na cama desfeita, lado a lado. – O que foi?

Jane respirou fundo e fez uma careta.

- É que eu estou muito ansiosa, Izzy, você sabe.

- Sim, isso eu já entendi, obrigada – a menina de cabelos agora tingidos de alguma cor entre o rosa e o roxo acentuou o tom irónico, como era seu costume. – Mas eu quero saber o porquê.

- Porque… sei lá. É estranho, é… É muito estranho estar revendo meus antigos amigos sem ser num show ou numa tour ou… Ah, você entendeu! É estranho ir passar a tarde com eles, só por passar tempo juntos.

- E é mesmo isso que te está deixando tão ansiosa? É que eu não me lembro de você ter ficado assim em qualquer desses shows ou tours. Portanto, há algo aqui que você não me está contando – o tom de Izzy dizia que ela não aceitaria nenhuma resposta que não a mais verdadeira possível. Jane suspirou, achando a amiga realmente chata, mas também sentindo-se um pouco feliz por ter uma menina tão chata assim preocupada com ela. Izzy sempre fora uma ótima amiga para si desde que a reencontrara, ainda na época em que se mudara para Nova Iorque.

- Não – a baterista suspirava – não é só isso. Vai mesmo me obrigar a falar disso?

- As boas amigas também servem para envergonhar. Agora conte-me, vamos.

- É… É Jeremy. Eu… ele… A gente era… Éramos muito amigos, sabe? Amigos e não só – Jane sussurrou, mas alto o suficiente para Izzy escutar. A compreensão atingiu-a e ela colocou um braço em volta dos ombros da amiga, demonstrando o seu apoio. – E ultimamente eu tenho pensado nisso. Você sabe que eu nunca tenho relações verdadeiras, sérias. Jeremy foi dos poucos que sequer se atreveu a propôr isso, e foi o único a quem eu sinto que realmente teria cedido, se tivéssemos tido um pouco mais de tempo. E agora… eu me pergunto o que teria acontecido se eu tivesse cedido a tempo. Antes, eu tinha me convencido que seria exatamente o que eu queria evitar, mas a verdade é que… eu sofri na mesma quando ele se mudou para L.A. com a Paramore.

Izzy analisou a expressão da amiga. Jane estava triste, isso era claro, mas não profundamente. Havia uma ponta de remorso nas suas palavras, mas sobretudo, de curiosidade. Estaria ela pensando em reaver o que tinha perdido?

- E agora o quê, Jane? Você quer recuperar isso?

- E agora o quê, Izzy – Jane ecoou, um pouco incerta. – Não sei. Acho que já vou tarde demais, perdi minha chance.

Izzy riu na cara da amiga, colega de banda e companheira de apartamento, deixando-a um pouco espantada.

- Perdeu sua chance? Jane, se ele significou assim tanto para você, você facilmente significou o dobro para ele. Lembre-se que sou eu que normalmente lido com seus “casos”, quando você decide terminar com eles. Dentro de cinco minutos, você já arrumou um interesse romântico novo. Eles… Eles costumam ligar para o apartamento chorando, durante pelo menos mais uma semana.

- Sério? – Jane franzia a testa, tentando imaginar alguns dos garotos mais másculos com quem esteve chorando para um telefone. – De qualquer jeito, Izzy, foram sete anos e não uma semana. Ele pode estar praticamente casado agora.

A garota de cabelos coloridos encolheu os ombros, deixando o tom brincalhão definitivamente de lado e adquirindo uma expressão solene.

- Bem, isso você descobre quando chegar lá. Se assim for… Bem, você continua com a sua vida, como tem feito. Você tem tantas qualidades, Jane – ela encostou na mão no rosto da baterista, acarinhando-a. – Quem sabe, a pessoa certa para você está mais perto do que você imagina, e quando a descobrir, você pode parar de fugir dos compromissos. Hmm? Não seria bom poder confiar noutra pessoa uma vez na sua vida?

Jane riu com o tom brincalhão retornado ao discurso da amiga. Ela tinha razão, entretanto. Jane reconhecia seu medo de compromissos em geral, e sabia que era por não conseguir confiar desse jeito em quase ninguém. Mas estivera perto de o conseguir com Jeremy, e agora queria descobrir o que a tinha feito sentir assim – e sobretudo, como poderia reavê-lo, fosse com Jeremy, fosse com outra pessoa.

- Você tem razão, aliás, como tem sempre – Jane completou-se a si mesma em tom de brincadeira. – O que não diminui minha necessidade de escolher uma roupa decente! Agora, vamos, saia ou short?

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