Capítulo 16

Let it fade now...



Sábado, 23 de Janeiro
Sarah

Hoje acordei com o bip do celular – que tinha o volume no máximo por ter servido de mp3 ontem à noite –, que me chamava para ler uma mensagem de Lisa. Assim que meus olhos deixaram de protestar o suficiente para eu conseguir ler o nome dela no visor, o sono se foi. Eu sabia que ela tinha estado com Zac ontem, por isso a razão para ela me acordar tão cedo era clara – e é também a única coisa que me impede de cortá-la aos pedacinhos na segunda por me acordar às 7h da manhã. Deduzi que fossem notícias sobre Josh, com quem Zac tem, obviamente, privilégio de conversa.

E a verdade é que eu só não ganhei na loteria ainda porque Deus me quer pobre, só pode! Bem… ou é isso, ou é o fato de que, enquanto a mensagem estava abrindo, eu ter realmente pensado que encontraria lá um alívio para tudo, um “não, não foi Josh”… sei lá, algo que nos devolvesse a paz. Mas afinal acordei às 7 da manhã para ler que “Josh não admitiu nada, mas segundo Zac, a reação dele não precisou de legenda. Foi ele, gente”. O resto pode imaginar, né?

O sono se foi, e me deixei apenas ficar na cama, absorvendo o choque. Só muito tempo depois é que fui lembrar que eu não tinha sido a única a receber a mensagem – mas que, pelo silêncio do celular, devia ter sido a única a acordar com ela. As prováveis reações dos meus amigos passaram em flash diante dos meus olhos: Jeremy, Taylor e… Hayley, sobretudo. Só aí entendi que hoje seria um dia longo.

Mas tudo bem. Me forcei a sair da cama e me animar – afinal só assim poderia animar eles, não é mesmo? Fui tomar um banho e acompanhei minha mãe e meu avô no café da manhã (única hora do dia em que eles estariam em casa, por causa de qualquer coisa importante lá no stand), mas como minha atenção continuava muito dispersa e o nozinho na garganta insistia em ficar, fui fazer a única coisa que me acalma nessas horas: tocar violão. Aqueci, toquei nossas músicas, covers, coisas minhas… Fiquei tocando até a hora em que normalmente me levantaria para me arrumar para o ensaio, mas claro que só percebi isso porque o irritante despertador soou que nem um louco. Não fosse ele, e eu tinha ficado a tocar até a hora do almoço sem querer saber de mais nada. Já me tinha perdido na música – o que é costume acontecer de qualquer jeito. Entende agora porque eu amo meu violão?

Mas, afinal, meu despertador não era o único preocupado com minha pontualidade. Meu celular voltou a tocar como um louco, dessa vez me chamando para atender a ligação de Taylor.

– Hey, Tay.

– Bom dia! Você já viu a mensagem de Lisa? – engoli em seco e continuei falando como se aquela voz rouca de sono não tivesse qualquer efeito em mim.

– Já. Eu não esperava isso.

– Afff, eu nem sabia o que esperar…

– E isso é final? O que você acha?

– Se Zac diz que sim, não dá para duvidar dele, sabe? – suspirei apenas. Sim, eu sabia.

– É, acho que não dá mesmo…

– Não fica assim, Sarah. Isso… isso irá se resolver. De um jeito ou de outro – e era o jeito o que mais me preocupava, mas Taylor não precisava saber disso. Não quando eu podia escutar em sua voz que o reconforto era sobretudo para ele, mesmo que inconscientemente.

– Mas bem, você passa por aqui daqui a uma meia hora? Que tal?

– Não posso, linda. Tenho dentista, lembra?

– Ah! Sim, pois é. Então nos vemos depois do almoço, certo?

– Sim, depois do almoço eu prometo que te vou buscar – dei uma pequena risada com o tom fofo dele.

– Ok, então até lá.

– Beijo.

Desliguei a chamada e suspirei. Essa manhã eu estava destinada a ser forever alone, com certeza. Decidi ir logo para o ensaio, afinal não tinha ninguém em casa. Saí, colocando os fones nos ouvidos e a música no último volume. Por seguir o ritmo agitado, acabei chegando à casa de Hayley num instante e apanhei Christie na saída.

– Oi, Sarah! Que bom você chegou!

– Hey, Christie! Tudo bom?

– Comigo, sim. E com você, querida?

– Também – sorri para ela, que falava de modo frenético, procurando algo pela mala. – E Hayley?

– Hayley… Hayley não está bem, sabe? – ela sorriu de modo triste, parando por momentos.

– Imagino.

– Por isso é que fico feliz por te ver aqui. Eu queria ficar, mas Hayley praticamente me empurrou porta fora. E como tenho uma reunião importante hoje, não seria muito bom faltar…

– E então eu posso ficar com Hayley – conclui sorrindo. – Não se preocupe, eu cuidarei dela.

Christie sorriu de volta, finalmente achando as chaves do carro na imensidão infinita que é a bolsa de uma mulher. Não que eu entenda muito bem, minha mochila é a coisa mais vazia que eu tenho. Mas deve ser algo hereditário: Hayles tem mais tralha na mochila que eu no armário inteiro.

– Ainda bem, querida, isso me faz sentir muito melhor, nem imagina – sorri com a gratidão na voz dela. – Até mais logo!

– Tchau, bom trabalho! – falei um pouco mais alto, enquanto Christie se apressava em direção ao carro, com um último “obrigada”. Entrei então na casa, percebendo finalmente uma pequena melodia vinda da garagem. Fui-me aproximando silenciosamente da porta entreaberta, onde parei – confesso – maravilhada com o talento de Hayley. Mesmo com a voz um pouco baça pelo provável choro e talvez até falta de sono, a harmonia entre essa melodia e a do piano era perfeita.

There’s an empty room at the end of the hall
(Há um cômodo vazio no final do corredor)
And it’s begging to swallow you whole
(E ele está implorando por te devorar inteiro)

Each step you take makes it easier to fall on your face
(A cada passo que você dá fica mais fácil isso cair no seu rosto)
Each tear you fake makes it easier to see straight through you now
(A cada lágrima que você finge fica mais fácil ver através de você)

And you’re so hateful sometimes
(E você é tão odioso por vezes)
Throwing punches at lies
(Arremessando murros em mentiras)
Fall from somewhere above
(Caído de algum lugar de cima)
Just to say you’re in love
(Apenas para dizer que está apaixonado)

So you hang yourself from stolen dreams
(Por isso você pendura-se de sonhos roubados)
And under the table you hide every stain
(E debaixo da mesa esconde cada mancha)

Each step you take makes it easier to fall on your face
(A cada passo que você dá fica mais fácil isso cair no seu rosto)
Each death you fake makes it easier to love this way now
(A cada morte que você finge fica mais fácil amar dessa maneira)

And you’re so hateful sometimes
Throwing punches at lies
Fall from somewhere above
Just to say you’re in love

Watch it disappear
(Observe-o desaparecer)
The dream you hold so dear
(O sonho que você conserva tão carinhosamente)
Let it fade, let it fade, let it fade now
(Deixe-o desaparecer, deixe-o desaparecer, deixe-o desaparecer agora)

And you’re so hateful sometimes
Throwing punches at lies
Fall from somewhere above
Just to say you’re in love

– Wow – falei, ainda maravilhada, assustando uma Hayley que ainda se recompunha da emoção da música. Com cada nota e cada palavra que ela cantava, eu entendia cada vez melhor o que ela sentia. Melhor até do que se ficássemos falando toda a tarde.

– AH! Ia tendo um ataque cardíaco – dramatizou ela com uma mão sobre o peito. – Sua mãe não te ensinou que é feio ficar escutando atrás da porta, não?

– Mas eu não escutei atrás de nada, minha querida. A porta estava aberta – ela riu e revirou os olhos, me dando espaço para sentar junto dela no banquinho. – E então, como você está?

– Vale a pena mentir? – ela ironizou.

– Depois dessa música linda, realmente não. Mas pode começar por aí e depois acabar xingando o mundo inteiro, sei lá… Acho que isso iria ser saudável para você nesse momento.

– Ah, não. Não vale a pena. Eu só sei lidar com esse tipo de coisa compondo. Conversas sentimentais… não – gesticulou. – Comigo não.

– Sério? Por quê?

– Sei lá, é o jeito a que estou acostumada. Nem sempre dá para falar com os meninos, sabe…

– Então você quer falar, apenas não está acostumada… Estou acertando ou nem por isso? – analisei, com um pequeno sorriso apenas no canto dos lábios. Mas o olhar de Hayley apagou qualquer vontade de sorrir. Era um olhar de… desespero.

– Mas falar não vai mudar nada do que aconteceu, Sarah – a voz subiu de tom, acompanhando o movimento de seu corpo. Agora, ela passeava freneticamente pelo cômodo – Não vai mudar que ele tenha desistido de nós, não vai mudar que ele nos tenha traído e machucado, não vai mudar que ele nos tenha abandonado! E acima de tudo, não vai mudar que, apesar de tudo isso, e mesmo num jeito masoquista, a gente ainda o ame! Não vai mudar que eu… ainda o ame…

Ela terminou num fio de voz quebrada, me avisando sobre o que aconteceria a seguir. Cobri a distância entre nós com dois passos largos e a abracei com força, sabendo que isso só iria intensificar seu choro. Mas caramba, era isso o que ela necessitava! Se ela tivesse falado tudo aquilo para Christie não estaria repetindo para mim. Era a primeira vez que ela realmente se abria com alguém desde o que aconteceu e isso me dava a responsabilidade de arrancar tudo de dentro dela enquanto tal fosse permitido.

– Fui tão idiota em achar que algum dia isso daria certo…

– Hayles… você não vê que o idiota aqui é o Josh?

– Não, Sarah – ela levantou o olhar e me fixou o melhor que pôde por trás das lágrimas. – Quem ficou mal com tudo isso? Te garanto que ele não está abraçado em Zac chorando como um desalmado.

– E onde ele estará daqui por um ano, Hayles? Você acha que ele vai conseguir outra chance como a Paramore? E mais! Você acha que ele vai conseguir outra pessoa como você? – ela negava com a cabeça.

– Josh sempre terá tudo aquilo que quiser.

– Não é verdade. Ninguém que saiba o que aconteceu e que tenha o mínimo de moral vai dar uma oportunidade para ele, seja na banda, seja numa relação.

– E você acha que Jenna e Chad têm moral?

– E você tem inveja de Jenna e Chad? Se tem, eu realmente preciso te levar a um psiquiatra. Eles se merecem, sabe?

– Pior é que eu acho que a culpa é deles, Sarah. Se não fossem eles…

– Mas Josh cedeu, Hayles – a cortei. – Ninguém colocou aquelas latas na mochila dele, ele praticamente admitiu isso para Zac. E se ele estava tão bem conosco, porque é que ele decidiu andar com eles em primeiro lugar?

– Porque achou que não era bom o suficiente – ela falou tão baixo que nem escutei direito, mesmo estando ainda abraçada a ela.

– Não somos bons o suficiente? Um contrato não é o suficiente?

– Não é isso o que eu quero dizer… - ela desviou o olhar do meu, não sabendo que foi isso exatamente isso o que me permitiu perceber.

– Hayles… Sabe que mais? Você não é boa o suficiente. Você é boa demais. Foi isso o que assustou ele.

Ela escondeu o rosto na curva do meu pescoço e se deixou levar pelos soluços de novo. Ficamos assim ainda durante um tempo. Eu não falei mais nada, ela precisava apenas sentir tudo isso uns momentos e partilhá-lo com alguém. Quanto mais ela guardasse dentro, pior seria depois.

Com o tempo, Hayley foi-se acalmando e se afastando um pouco de mim.

– Obrigada, Sarah. De verdade.

– Ai, Hayles, não vai agradecer, por amor de Deus! – ela sorriu um pouquinho. – Me promete uma coisa?

– O quê?

– Quando estiver mal, fale para mim, ok? Ok? – eu perguntei de novo, agarrando o rosto dela de brincadeira, depois de ver seu olhar duvidoso.

– Ok, ok!

– Mesmo que ache que já me chateou muito, escutou?!

– Sim, mamãe!

– Ótimo, agora vamos lavar essa carinha e nos preparar para o ensaio. Ou quer falar de algo mais?

– Não, eu… eu estou bem.

– Não minta para mim! – estiquei o indicador a pouco mais de um centímetro de seu nariz.

– Bem melhor! Você nem me deixou terminar!

– É, sei…

Empurrei-a gentilmente em direção ao banheiro mais próximo. Ela lavou a cara e eu insisti em desencantar uma trança daqueles cabelos coloridos e extremamente escalados, tentando animá-la mais um pouco. Acho que até deu certo, porque quando Jane e Jeremy chegaram, Hayley foi capaz de recebê-los com um sorriso – um pouco apagado, sim, mas, diga-se de passagem, que os deles não estavam muito melhor. Todos ficamos afetados com o que se passou – seja mais ou menos – e por momentos me custou imaginar Taylor sozinho na sala de espera fria do dentista, provavelmente evitando a todo custo olhar para a Rolling Stone pousada na mesa.

Já nós, por outro lado, usávamos a música para escapar. Hayley nos mostrou as músicas que esteve compondo no tempo em que esteve sozinha – sim, músicas no plural. Além de Throwing Punches, que ela estava tocando quando eu cheguei, tinha ainda composto Stay Away, This Circle e Rewind – para além de ter uma ideia de uma outra música que queria escrever em conjunto conosco (e que ainda não terminamos). E passamos assim a manhã, escutando suas propostas e acrescentando nossas ideias, assim como compondo as melodias de nossos próprios instrumentos para essas canções. Acabei criando até uma segunda voz para Throwing Punches, que ficou bem mais agressiva tocada em conjunto. Aliás, todas acabaram saindo um pouco desse jeito – até mesmo já de tarde, depois de Taylor tudo e dividirmos as linhas das guitarras. Mas isso é algo que seria de esperar, certo? É que, por mais diferentes que nós os cinco sejamos, a principal coisa que nos une é olhar para a música como uma forma de escape – como uma forma de celebrar, de acalmar, de meditar – de chorar até, quando necessário. E o que nós estávamos precisando era descarregar todas as más energias, botar a raiva para fora e tocar como se não houvesse amanhã.

Isso é uma coisa que te posso garantir que aula alguma de kick-boxing, karatê, ou yoga fará por você. Porque no fim daquela tarde, pudemos olhar uns para os outros e perceber que, por mais que as pessoas lá fora pudessem falhar conosco, dentro daquela garagem teríamos sempre com quem contar.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Fórum

***