Capítulo 24

Uma conversa de amigos



Terça-feira, 15 de Fevereiro
Sarah

Espero que se lembre que, na entrada de ontem, eu disse que tinha que falar com o Taylor, certo? Ótimo, eu também me lembro disso. Que bom que nos lembramos da mesma coisa ao mesmo tempo!

Enfim.

Taylor andou toda a manhã com a mesma cara distante e desanimada que eu não entendia e só mostrava um sorriso quando alguém fazia uma piada. Não que fosse muito convincente. Decidi então que realmente tinha que falar com ele, mas não queria que estivéssemos todos. Talvez já fosse complicado explicar apenas a mim, quanto mais a 6 pares de olhos em cima dele.

Vi a minha oportunidade quando, no intervalo, Zac e Lisa foram “passear” para algum lado e Jeremy levou Jane para falar com um amigo dele que começou a tocar bateria. Ficamos eu, Hayley e Taylor; os três sentados à volta de uma mesa na cantina.

– Hayley, vai buscar uns Mentos para mim? – pedi com voz manhosa, enquanto a olhava com uma intensidade que certamente não se devia à minha necessidade de Mentos. Blah, Mentos.

– Mas você não gosta de Men-

– Claro que gosto, deve estar confundindo com outra pessoa – claro que não foram essas palavras que a convenceram, mas sim minha expressão facial que Taylor, sentado do meu outro lado, não conseguiria ver.

– Ah! Sim, sim estou, tem razão… Ok, então – ela se levantou, mas depois parou no lugar. – Vai me dar dinheiro, ou…?

– Vai, que eu depois pago, vai – falei depressa, empurrando-a levemente com a mão.

– Tá, até já.

– Até já – eu e Taylor falamos num coro desencontrado.

– Então – começou Taylor, olhando para o pacote de suco com que brincava – desde quando é que você gosta de Mentos?

Quando ele levantou a cabeça para me fitar, pude ver que seu olhar estava divertido e um sorriso brincava no canto dos seus lábios. Mas lá no fundo, eu conseguia ver ainda o desânimo.

– Desde que você ficou tristinho – a expressão divertida dele morreu tão repentinamente, que juro que meu coração deu um baque. Peguei na mão dele, afastando-a do pacote de suco. – O que aconteceu, Tay?

Ele negou com a cabeça e olhou em volta, parecendo procurar alguém, mas conseguindo apenas ganhar um aspeto assustado.

– Prefere ir falar lá para fora? – perguntei por instinto. Ele me olhou rapidamente e assentiu, desviando o olhar para o pacote de suco de novo. Suspirei.

– Vamos então, vem.

Levantei-me e puxei a mão dele que ainda segurava. Eu já tinha o casaco vestido e ele pegou o dele das costas da cadeira com a mão livre. Fomos em direção à porta que dava para o pátio, passando pela cantina no caminho.

– Hey, Hayles – ela desviou sua atenção da fila para mim –, pode ficar com os Mentos para você.

Ela sorriu para nós os dois, revirando os olhos e saindo da fila, provavelmente para voltar para a mesa. Corri o zíper do meu casaco mal demos um passo lá fora, enquanto Taylor vestia rapidamente o seu, fechando-o e enterrando as mãos nos bolsos. Deviam estar cerca de 5°C. A verdadeira sorte, porém, era que não estava chovendo. Isso sim, é algo de admirar num fevereiro típico em Franklin.

Seguimos os dois silenciosamente, lado a lado, sem precisar sequer de perguntar para onde iríamos. Aliás, quando demos por nós, já tínhamos chegado. O frio fazia-nos mover mais depressa do que o habitual.

– Sugiro o seguinte: você deveria se deitar como se estivesse no psicólogo – Taylor sorriu, provavelmente achando que eu estava apenas fazendo uma piada.

– Isso é uma crença comum muito falsa, sabe. Mas eu te faria a vontade, não fosse o fato de só haver um banco aqui.

– Pfft – revirei os olhos –, como se isso impedisse alguma coisa. Vem.

Puxei-o pela mão, mas me sentei primeiro, fazendo-o imitar minha posição depois e, por fim, deitando sua cabeça no meu colo. Afaguei seus caracóis através da touca que ele, com muita razão, usava, e ele pegou minha outra mão, pousando meu braço na sua barriga.

– O que tá acontecendo?

Taylor suspirou pesadamente.

– Sabe na sexta, quando vimos Josh falando com aquele garoto da turma de Zac?

– Você ficou pensando nisso, Tay? – perguntei, suspirando também.

– Você fala como se eu não devesse.

– Porque é tortura, basicamente.

– Tortura é eu lembrar do olhar de Josh nesse dia, sabe. Isso sim, é que é tortura! – a voz dele subiu uma oitava. Do que ele estava falando? Eu não tinha visto olhar nenhum.

– O que você quer dizer? Que olhar foi esse? – inquiri com calma, querendo sossegá-lo.

– Quando Josh me viu a mim e a Lisa, ele… ele me olhou de um jeito que… me fez sentir culpado.

A voz dele estava mais calma e seu tom foi caindo ao longo da frase, terminando em pouco mais que um sussurro. Fitei seus olhos, preocupada.

– Culpado de quê?

Ele se sentou, virando-se para mim rapidamente.

– Sarah… você não entende que, quer tenha sido ele ou não… nós também temos culpa nisso tudo?

Eu estava cada vez mais incrédula.

– Como assim, Taylor? Nós não o forçamos a nada, muito menos a se afastar de nós!

– Mas também não o impedimos, não?

Fitei-o, discordando completamente.

– O que nós podíamos fazer? Obrigá-lo a ficar do nosso lado? A passar os intervalos conosco quando ele não queria?

Taylor suspirou e passou as mãos pelo rosto, apoiando os cotovelos nos joelhos.

– Não. Mas podíamos ter tentando falar com ele – ele se voltou para me fitar de novo. – Ter uma conversa sincera. Falar com ele como você está falando comigo agora. Isso é algo que os amigos fazem uns pelos outros.

A mensagem de Taylor se afundou lentamente no meu pensamento, suscitando uma certeza: ele tinha razão.

Nós nos dizíamos amigos de Josh, mas na hora em que as coisas apertaram, abandonamo-lo. Afastamo-nos ressentidos. E até podia ser que não tivéssemos provocado nada do que aconteceu, mas o simples fato de termos permitido que acontecesse já era culpa suficiente.

– Você tem razão – concordei finalmente, suspirando e passando as mãos pelo rosto.

– Quem me dera não ter – ele falou, com um riso sem humor. Olhei para Taylor, que estava recostado no banco, fixando seus dedos que brincavam com a ponta do zíper do casaco.

– Sabe o que isso quer dizer, não sabe? – ele desviou sua atenção para mim, parecendo confuso.

– O quê?

– Devemos um pedido de desculpas – ele abriu um meio sorriso para mim, parecendo feliz por ter a minha compreensão. Porém, a expressão desanimada voltou quase de imediato.

– Você acha que os outros vão compreender?

– Se nós tivermos com eles essa tal “conversa sincera”, como eu e você tivemos agora… Porque não entenderiam? Talvez não concordem, mas isso nós vemos quando chegarmos lá, ok?

Ele assentiu, abrindo de novo um meio sorriso.

– Porque você não falou comigo logo?

– Acho que eu precisava de um tempo para pensar em tudo, sabe? Tentar entender o que eu realmente sentia…

Assenti, fitando os meus pés gelados dentro das botas. Graças a Deus, não tinha calçado meu All Star.

– Mas você sabe que pode falar comigo sempre que ficar assim tristinho, né? – levantei o olhar para ele, encontrando um sorriso.

– Sim, sei – ele me abraçou de lado. – Obrigado por tudo, Sarah.

Eu ri um pouco.

– Não te vou responder, porque não faz sentido que você me agradeça, ok?

– Porque é que não faz sentido? É educado! – ele comentou com um riso, se afastando o suficiente de mim para me olhar.

– Porque… você é o meu melhor amigo – encolhi os ombros, enquanto ele sorria e me dava um beijo na bochecha. – Agora vamos para dentro, porque eu tô morrendo de frio!

Ambos nos levantamos rindo, enquanto Taylor concordava.

E bem, essa conversa só serviu para mostrar o quanto Taylor tinha razão. Ele estava estranho para alguém que está gravando um álbum e, sobretudo, estava triste. Eu, sendo amiga dele, notei e falei com ele. E agora as coisas parecem ter solução e ele já não se sente sozinho.

Pergunto-me o que teria acontecido se tivéssemos feito isso com Josh. Como estaríamos nós agora, como estaria Josh agora… Seríamos todos mais felizes, disso tenho certeza.

O poder que uma simples conversa entre amigos tem…


Taylor

Sarah me puxou à parte para conversar hoje de manhã. Ela notou meu aspeto triste, se bem que eu achava que não estava tão notório assim. Mas ela sempre nota tudo – melhor dizendo, acho que fazemos isso um com o outro, sabe? Eu cuido dela, ela cuida de mim. É difícil explicar.

Mas ainda bem que isso aconteceu, porque, por um lado, ela me acabou convencendo de que eu estava certo em me preocupar com toda essa situação, e por outro, me ajudou a encontrar a solução: nós devemos um pedido de desculpas a Josh.

E foi com essa certeza que eu pedi uma reunião de grupo para o final de mais um (incrível) dia no estúdio – o que, apesar de tudo, continua sendo realmente uma benção. Se bem que isso acaba por ser complicado, pois quanto mais eu gosto e me divirto tocando no estúdio, mais culpado me sinto… Concluindo: essa reunião veio mesmo na altura certa.

– Então, Taylor, o que você quer dizer? – perguntou Hayley gentilmente, do seu lugar habitual na nossa roda, em cima do tapete da sua garagem.

Olhei em redor, sentindo o olhar de todos sobre mim. Suspirei e sorri um pouco, parando meu olhar em Zac, que estava à minha frente.

– Queria falar sobre um assunto delicado para todos nós, mas que é realmente importante. Por isso, eu agradecia se todos ficassem calmos, ok? Não me matem por querer falar disso – corri a roda com o olhar de novo, notando os olhares curiosos e confusos que minhas palavras suscitaram. Já Sarah, do meu lado direito, apenas sorriu em forma de encorajamento. – Lisa, você se lembra da última sexta, certo?

Ela me analisou durante alguns instantes, mas logo percebeu ao que eu me referia. Sua boca relaxou, ficando entreaberta, mas apenas durante alguns segundos. Ela apressou-se em assentir.

– Quando vimos Tyler, da turma de Zac, falando com Josh, sim.

Os olhares estavam agora um pouco mais desconfortáveis, mas eu sabia que esta era uma conversa necessária. Ajudaria todos ali, por mais que eles quisessem evitá-la.

– Você se lembra do que eles falavam?

Ela suspirou, franzindo as sobrancelhas, provavelmente numa tentativa de se lembrar.

– Tyler estava nervoso por algo… Algo que tinha sido inconveniente para Josh. Não me lembro muito bem…

– Não faz mal, eu também – dei um pequeno sorriso para ela. – Mas você não achou na altura que isso teria algo a ver conosco?

– Sinceramente, Taylor? – assenti. – Não. Não estou mais interessada no que Josh faz ou não.

– Mas você viu o olhar dele depois, certo? Não fui só eu que vi algo…importante nele.

Lisa negava.

– Eu mal tive tempo de o olhar, Tay. Assim que ele nos notou, tratei de sair daquele canto e ir embora, antes que desse confusão. Eu sei que não foi essa sua intenção, uma vez que tive que te puxar…

Eu passava a mão pelo rosto, mas estava tentando ficar o mais calmo possível. Eu já sabia que seria um assunto complicado de abordar. Eles provavelmente estavam me achando louco.

– Claro, porque eu estava olhando alguém que foi nosso amigo em tempos.

Meu tom era baixo e calmo, porém todos reagiram como se eu tivesse gritado violentamente.

– Taylor, você deveria realmente explicar qual é o objetivo dessa conversa… - Hayley quase sussurrou, fitando o tapete. Suspirei. Já não podia enrolar mais.

– Eu acho que Josh não é o único errado da história. Se ele se afastou… foi porque nós deixamos. Porque não fizemos nada para impedir, para mantê-lo perto – nem sequer para saber o que estava acontecendo!

– O que você sugeria que fizéssemos, Taylor? – Hayley me olhou, magoada. – O livre arbítrio existe, sabe?

– Pois bem… Talvez se nós tivéssemos falado decentemente uma vez que fosse com ele sobre o que estava acontecendo, ele tivesse escolhido ficar conosco e se afastar dos outros dois. A separação da banda não foi fácil para ninguém, isso é óbvio, mas porque nós achamos que ignorando ia ser o único jeito de fazer com que Zac e Josh se sentissem à vontade conosco? Me diga, Zac, você não sentiu falta de ouvir coisas sobre a banda durante quase um mês?

– Claro que tive, mas eu senti que isso era necessário. Ajudou saber que não era apenas a música o que nos unia – fitei seus olhos marejados, sentindo cada vez mais respeito pelo meu amigo. Assenti, lutando para engolir o nó na garganta.

– Mas seu irmão não é igual a você, Zac. Você sabe disso – Sarah sussurrou de um jeito calmante. Agradeci sua intervenção mentalmente. O que eu faria sem ela?

– Isso… bem, isso é verdade. Josh respira música. Acho que tenho que admitir que isso foi complicado para ele, mas isso não o desculpa.

– E a nós? É desculpa suficiente para nós termos falhado para com o nosso amigo só porque achávamos que estávamos fazendo a coisa certa? Se isso teve consequências erradas de qualquer forma e nós nunca reconhecemos nosso erro, estamos certos em achar que somos os únicos magoados da história?

Com o discurso praticamente épico de Sarah, o nó que eu tanto tentava reprimir não aguentou mais e se desfez – porém, na forma de lágrimas. Senti Sarah agarrar minha mão, enquanto eu deixava que a água rolasse calmamente pela minha face. Hayley, do meu lado esquerdo, deixou escapar um soluço, e eu passei meu braço pelos seus ombros, puxando-a um pouco para mim.

– Ai gente, eu assim também vou chorar… - falou Jeremy num tom divertido, fungando e arrancando sorrisos de todos.

– Isso quer dizer que você concorda conosco, Jerm?

Ele me olhou e deu um breve sorriso de canto.

– Sim, acho que nós também estivemos errados.

– E eu concordo.

– Eu também – Jane e Lisa falaram de imediato, apertando os lábios, provavelmente numa tentativa de não chorar também.

– Zac? – perguntei em tom baixo. Ele levantou o olhar do tapete para me fitar durante alguns segundos, mas logo voltou a examinar o padrão da peça decorativa.

– Esse orgulho não tem ajudado em nada – aliás, só tem piorado tudo… - ele respondeu, mais para ele mesmo que para nós ou até para mim. Por fim, seu olhar repousou no meu, decidido. – Sim, nós também estamos errados.

Todos sorrimos e Lisa apertou sua mão.

Agora só faltava uma pessoa.

– Hayley? – incitei, sussurrando, à cabeça ruiva que repousava – ou melhor, chorava – no meu ombro.

Pude ainda escutar seus múltiplos suspiros, antes de ela responder, com voz rouca:

– Nós temos que pedir desculpa para Josh.

Meu sorriso se abriu largamente, enquanto todos naquela roda verbalizavam sua aprovação das mais variadas formas. Beijei seus cabelos ruivos e Hayley se endireitou, limpando suas lágrimas e fungando, mas sobretudo, sorrindo também.

Nesse momento, olhando para as caras dos meus amigos que, apesar de lavadas, pareciam realmente mais leves, percebi o quanto é libertador reconhecer nossas falhas e chegar ao ponto de redenção. Falar sobre esse assunto e terminar com sorrisos nunca teria sido possível de qualquer outro jeito. E assim, aquela parte da nossa vida que parecia tão negra e desesperante, ganhou uma nova luz.

Acho que cada vez entendo melhor o que a psicóloga dizia sobre “o dom de partilhar suas preocupações e como isso te pode curar”. Ela talvez pudesse ter explicado um pouco melhor na altura, mas esses momentos são o que realmente te fazem entender coisas como essa… Coisas sem uma explicação definitiva que não se entendem antes de se sentir, acho eu.

Nunca teria imaginado que conversar abertamente com os seus amigos te pudesse libertar tanto. E mesmo que isso apenas prove nosso erro para com Josh, essa faceta da moeda também acaba por nos libertar, pois é reconhecendo o erro que o podemos corrigir.

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