Capítulo 28

I'm better off when I hit the bottom


Música do Capítulo: Turn It Off

POV Josh

Desci as escadas em direção à sala de jantar, tentando me preparar para outro almoço de domingo em família, mas acabei por parar no banheiro. Enquanto minhas mãos, no automático, se lavavam, meu olhos se fixaram no espelho, analisando-se a eles mesmos.

Eles estavam avermelhados e ligeiramente inchados – o que era estranho, visto que eu já não chorava desde sexta. O que, claro, não queria dizer que eu não tivesse vontade. Vontade era o que eu mais tinha, tanto de chorar como de partir qualquer coisa.

Mas eu tinha prometido a mim mesmo que me controlaria.

Que ficaria calmo.

Que não me importaria.

E agora estava segurando minha vontade de partir aquele espelho, apenas para não quebrar totalmente a promessa.

I scraped my knees while I was praying
And found a demon in my safest haven
Seems like it's getting harder to believe in anything
Than just to get lost in all my selfish thoughts
(Ralei os joelhos enquanto rezava
E encontrei um demônio no meu porto mais seguro
Parece que fica cada vez mais difícil acreditar em algo
Do que apenas perder-me nos meus próprios pensamentos egoístas)

Tudo estava dando errado! Todas as coisas que sempre pensei que teria, todos os sentimentos que pensei que nunca me abandonariam… Os meus amigos. Onde estavam eles?! Tudo me fora tirado por causa de algo idiota e agora eu era esta pessoa fria e zangada que nem conseguia perdoar os seus melhores amigos. Que nem conseguia acalmar-se. Que nem conseguia falar “bom dia” para o próprio irmão.

Ao sentir o nó que se havia desenhado na garganta apertar-se, respirei fundo e dei costas ao espelho, recostando-me na borda da pia. Passei as mãos pela cara, tentando normalizar a respiração, e desviei o olhar para a parede, procurando algo que me distraísse. De fora da porta, vinham ruídos de movimentos. Concentrei-me nisso, esperando que fosse Jonathan, reclamando com um de nossos pais que não podia almoçar agora, por estar no meio de uma de suas “aventuras”. Como meu irmão menor conseguia ser fofo. Um flash de Zac e eu fazendo exatamente o mesmo com a mesma idade passou em frente a meus olhos, levando-me a engolir em seco.

– Mas ele tem aqui sua vida – a primeira voz a fazer-se ouvir foi a da minha mãe, mas seu tom não era um que ela costumasse dirigir ao seu filho menor.

– Não sei se tem reparado, mas a vida dele deu uma volta grande – a voz forte do meu pai fez com que a conversa fizesse mais sentido. – E não foi para melhor.

De que falavam eles? Eu tentava perceber, embora algo em mim me dissesse para parar de escutar.

– E então você quer colocá-lo por mais mudanças ainda?

– Sim, se isso for para ele melhorar! Você tem visto as notas dele. Você tem visto o comportamento dele. A expressão dele. Caramba, ele já nem olha nos olhos de Zac! Nos olhos do irmão, Karen!

I wanna know what it'd be like
To find perfection in my pride
To see nothing in the light
Or turn it off, in all my spite
In all my spite, I'll turn it off
(Quero saber como seria
Encontrar perfeição no meu orgulho
Não ver nada na luz
Ou desligá-la, em todo o meu despeito
Em todo o meu despeito, eu irei desligá-la)

Não soube exatamente em que momento é que meu punho se fechou e iniciou sua trajetória, porque só a dor do seu embate com a parede é que me despertou. Meu pai abriu a porta rapidamente, talvez alertado pelo barulho que eu nem ouvi. Minha mente estava fixa numa coisa apenas.

Foi nisto que me tornei.

Foi nisto que me tornei.

Foi nisto que me tornei.

E, na minha insanidade, um pensamento irônico e uma risada sem humor formaram-se.

Eles sempre tiveram razão.

Eu não era mais o mesmo Josh.
And the worst part is
Before it gets any better
We're headed for a cliff
And in the free fall
I will realize I'm better off
When I hit the bottom
(E a pior parte é
Antes que tudo melhore
Estamos nos dirigindo para um penhasco
E na queda livre
Irei entender que estou melhor
Quando atinjo o fundo)


**********

– Josh, me dê que eu corto para você.

– Não é preciso, mãe.

– Você está forçando a ferida. Agora me dê – ela exigiu, retirando os talheres da minha mão e cortando ela própria minha carne. – Não há nada de errado em pedir ajuda, sabe?

Revirei os olhos, mas logo depois mordi meu lábio inferior disfarçadamente, engolindo a dor de ter forçado minha mão machucada a segurar a faca. A faixa que minha mãe enrolara em redor do meu punho estava agora mais vermelha, mas ignorei isso também. Eu não precisava que ela cortasse minha carne! Eu não precisava que ela me ajudasse. Como ela iria ajudar-me, de qualquer jeito?

Como é que ela conseguia me tratar como um bebê apenas meia hora depois de eu ter esmurrado a parede do banheiro, arrancando tanto um bom pedaço de tinta como um bom pedaço de pele?
The tragedy, it seems unending
I'm watching everyone I looked up to breaking, bending
We're taking shortcuts and false solutions
Just to come out the hero
(A tragédia, parece interminável
Estou observando todos os que admirava quebrando, curvando
Estamos tomando atalhos e soluções falsas
Apenas para sair como o herói)

Aproveitando mais uma fala animada de Jonathan sobre suas explorações, bufei em tom baixo. O pequeno continuava palrando sobre um lugar novo que tinha descoberto para Zac, que lhe respondia com frases básicas, tentando dissimular a tensão que sentia. Ele se esquecia que eu o conhecia melhor que ninguém.

Well, I can see behind the curtain
(I can see it now)
The wheels are cranking, turning
It's all wrong, the way we're working
Towards a goal that's nonexistent
It's not existent, but we just keep believing
(Bem, eu consigo ver por trás da cortina
(Consigo vê-lo agora)
As rodas estão rangendo, girando
É toda errada, a maneira como estamos trabalhando
Em direção a um objetivo que é inexistente
É inexistente, mas nós continuamos acreditando)

Minha mãe e meu pai lançavam olhares um ao outro, também dissimuladamente. Eu nem teria notado sua conversa telepática se tivesse minha carne para cortar e me distrair. Esse pensamento em especial teve um pouco de sabor a vingança, então me endireitei na cadeira e levantei a cabeça, tornando óbvio que os estava observando. Minha mãe me lançou um olhar reprovador, mas logo me devolveu o prato e os talheres. Sorri de canto.

Durante a primeira garfada que levava à boca, meu pai pigarreou. Meus irmãos pararam de comer, esperando que ele falasse. Eu apenas dirigi meu olhar para ele nos tempos em que não olhava para o prato. Era o melhor que ele iria conseguir de um Josh esfomeado e perdido em pensamentos que ele não iria entender.

– Eu tenho um anúncio muito importante para vocês, meninos, levanto em conta que sua mãe já está a par de tudo – olhei para ela, que também se focava no seu prato, tentando disfarçar um ar carrancudo. Meu pai pareceu murchar um pouco com isso, mas logo continuou. – Me foi feita uma proposta de trabalho excelente: uma promoção a vice-diretor da filial de Baltimore.

– Baltimore? – Zac perguntou de imediato, com um ar confuso.

– Sim, Baltimore. Como vocês sabem, aqui em Nashville é a sede. E na sede, eu já cheguei até onde poderei alguma vez chegar. Mas foi recentemente aberta uma filial em Baltimore, e estão precisando de pessoal para lá…

– Você quer nos mudar para Baltimore?! – Zac cortou a fala dele, tentando não parecer tão indignado como realmente estava. Perguntei-me porque eu não estava assim também e conseguia continuar comendo como se não fosse nada comigo. A dose que a minha mãe me deu de analgésicos fora assim tão forte?

– Bem, na verdade… não – o ar confuso de Zac piorou e até Jonathan já fixava meu pai com a testa franzida.

– Explique logo, vamos – minha mãe, notando as expressões ao redor da mesa, o apressou.

– Bem, considerando que a vida de vocês está aqui e que seria demasiado complicado mudar todo o mundo de uma hora para a outra para Baltimore justo no meio do ano escolar… Eu estava pensando em levar apenas Josh.

O pedaço de arroz que eu engolia ficou a meio trajeto. Tossi vigorosamente e senti minha mãe dar pequenos tapas nas minhas costas.

– E-eu? – falei num fio de voz, assim que minha garganta ficou desimpedida.

– Sim, Josh! Eu e você, pai e filho, aventurando-se na grande cidade! O que diz?

– Mas… porquê eu?

– Você é o mais velho, oras – ele tentou ser convincente com tudo o que tinha. Mas quando ele baixou o olhar para o prato e mexeu com os talheres, eu soube que essa não era a verdadeirarazão. – E então? O que acha?

– Tenho que responder agora? – engraçado como, de um momento para o outro, deixei de achar que a conversa não tinha a ver comigo. Engraçado como as posições mudam repentinamente.

– Sim, sim, claro – meu pai falou num tom quase tão pensativo como o meu. – Mas mantenha em mente que uma mudança é boa de vez em quando.

Olhei apenas alguns momentos nos olhos dele. Suas palavras podiam contar apenas metade da história, mas seu olhar dizia tudo o que ele omitia.

And the worst part is
Before it gets any better
We're headed for a cliff
And in the free fall
I will realize I'm better off
When I hit the bottom
(E a pior parte é
Antes que tudo melhore
Estamos nos dirigindo para um penhasco
E na queda livre
Irei entender que estou melhor
Quando atinjo o fundo)

O resto do almoço foi silencioso. Cada um de nós tinha seus próprios pensamentos com que se preocupar, seus medos, suas dúvidas… Sobretudo eu.

Tentei imaginar como seria. Eu e meu pai, dividindo um apartamento pequeno em Baltimore. Cozinhar para dois, colocar a mesa para dois. Passar os domingos assistindo um jogo qualquer com ele. Sair de casa de manhã, sabendo que ia para uma escola nova, onde ninguém saberia nada sobre mim.

Começar de novo.

E no meio de todas essas imagens que formulava, senti um minúsculo sorriso nascer. Apenas… surgir por ele mesmo, sem que eu forçasse. Algo que não acontecia há algum tempo.

Senti também algo miúdo e elétrico correr por mim. Algo bom, que sabia bem…

Entusiasmo.

Eu sentia entusiasmo.

Talvez porque, lá no fundo, eu queria começar de novo. Eu queria poder andar pela escola livremente, sem medo de quem eu pudesse encontrar. Caramba, eu queria poder andar por casasem medo de quem pudesse encontrar!

Queria poder lidar com a minha dor sem ter que me preocupar se o jeito que eu usava melhorava ou piorava a de Zac. Sim, porque eu ainda me preocupava com ele. Eu não o queria magoar mais do que já tinha.

E foi por tudo isso que, quando meu pai terminou de comer, eu levantei o olhar para ele e, com a voz bem mais firme, disse:

– Pode contar comigo.

I wanna know what it'd be like
To find perfection in my pride
To see nothing in the light
Or turn it off, in all my spite
In all my spite, I'll turn it off
Just turn it off
Again, again, again…
(Quero saber como seria
Encontrar perfeição no meu orgulho
Não ver nada na luz
Ou desligá-la, em todo o meu despeito
Em todo o meu despeito, eu irei desligá-la
Apenas desligá-la
De novo, de novo, de novo…)
And the worst part is
Before it gets any better
We're headed for a cliff
And in the free fall
I will realize I'm better off
When I hit the bottom
(E a pior parte é
Antes que tudo melhore
Estamos nos dirigindo para um penhasco
E na queda livre
Irei entender que estou melhor
Quando atinjo o fundo)



Domingo, 21 de Fevereiro
Taylor

Imagine o domingo calmo que eu estava tendo. Domingo é realmente o único dia da semana que temos de folga das gravações, por isso todos decidimos passar o dia apenas com os nossos pais e fazer os trabalhos que eram necessários para a escola. Jeremy e Hayley já estavam no terceiro ano e as coisas não ficam propriamente mais fáceis de ano para ano, sabe? Mas eu nem tinha muitos trabalhos em atraso e consegui arrumar tudo logo de manhã. Minha tarde seria basicamente dedicada a assistir aos filmes da Sessão da Tarde com meus pais.

Isso, claro, se meu celular não tivesse tocado.

Levantei do sofá, pegando no aparelho pousado em cima da mesinha da sala, e indo para a cozinha, onde poderia falar sem interromper o filme. O nome de Zac aparecia no visor, enquanto as luzes piscavam lentamente. Atendi, relaxado.

– E aí?

– Oi – a voz tensa de Zac, ainda por menos que tivesse falado, me fez franzir a testa de imediato. Ele jamais começa a conversa sem uma piada.

– O que aconteceu? – ouvi um suspiro do outro lado da linha, sabendo que ele estava pensando como diabos eu o conhecia tão bem.

– Hm… Você prefere a versão adocicada ou posso falar logo?

– Estamos tão mal assim? O que acontece, homem? Desembucha logo! – eu imaginava que fosse talvez uma outra proibição de sua mãe, mas as notas dele – por causa da ajuda de Lisa – estavam até melhorando e ontem deixamo-lo a horas em casa. Não estava conseguindo imaginar o que seria. A não ser que… bem, a não ser que fosse algo com Josh.

– Meu pai decidiu mudar-se para Baltimore – meu estômago revirou e minha mente virou uma confusão completa.

– Espera… Você vai para Baltimore?!

– Não, meu pai é quem vai.

– Então… seu pai vai sozinho para Baltimore? – eu tentava entender, mas Zac não estava ajudando grande coisa.

– Sim – finalmente uma informação clara! – Bem, não…

Suspirei, tentando me acalmar. A única razão pela qual eu ainda não tinha xingado Zac era porque o tom dele continuava desanimado. Era horrível escutar a voz de Zac tão… baça.

– Então, Zac? Quem vai com ele?

– Josh.

Minha cabeça decidiu andar a mil de novo. Como assim, Josh?

– Josh?! Mas… porquê Josh?

– Meu pai disse que é porque ele é o mais velho. Mas ele esmurrou uma parede hoje, Taylor.

– O quê?! – suspirei, passando a mão livre pela cara e tentando tirar algum sentido de tudo aquilo.

– Ele… ele não anda bem de todo, T. Se calhar até é bom que ele vá…

Pensei um pouco no assunto. Talvez Zac tivesse razão. Um tempo de afastamento de tudo o que aconteceu aqui… Talvez seja isso o que Josh precisa. Mas a noção de que ele só precisa disso por nossa culpa foi o suficiente para revirar meu estômago de novo. Suspirei.

– Talvez. E você, Zac?

– Eu? Sei lá, se calhar também vai ser bom não me sentir culpado apenas por colocar um pé dentro de casa. Sabe? É como se fora dela, as coisas até estivessem bem. Mas quando abro a porta de novo… – ele deixou a frase morrer. Nem tampouco precisaria de a continuar para eu entender.

– Sei. Coragem, irmão – ouvi um resfôlego e soube que ele estava sorrindo um pouco.

– Valeu, irmão.

– Já contou para mais alguém?

– Na verdade, não. Tô pensando contar apenas amanhã. Só liguei para você para desabafar.

– Valeu pela consideração – dei uma pequena risada, na qual ele acabou por me acompanhar. – E não teria desabafado com Lisa primeiro?

– Ela está em algum lugar com os pais. Algum lugar sem cobertura, infelizmente.

Ri de novo.

– Ao menos vocês desgrudaram!

– Tome cuidado consigo, Senhor York. Olhe que tenho homens em quem posso confiar para fazer certos trabalhos por mim…

Ele estava me ameaçando de morte. A missão de animá-lo estava praticamente cumprida.

– Uuuuhh, seus homens não! – ambos gargalhamos da minha fala expressa com sarcasmo. – Mais alguma coisa com que o Senhor York possa te ajudar?

– Hmmm… Se quiser vir ajudar a pintar a parede que Josh esmurrou, esteja à vontade.

Minha expressão se contorceu num esgar de dor.

– Ouch! Foi um murro forte, hein?! Porque é que ele fez isso, afinal?

– Vai saber… Vou convencer meu pai a colocá-lo no psicólogo lá na escola de Baltimore, é o que é.

– Nem é má ideia…

– Sabia que você concordaria – ele retorquiu, zombador. Revirei os olhos.

– Pare de tirar sarro, ok?

– Ok. Mas você já sabe que se outra pessoa que não eu te zombar por ir à psicóloga, eu ensino ela a ser educada na base da porrada, né?

Ri, embora soubesse que Zac seria sim capaz disso.

– Que bom que você regressou ao normal, Zachary.

– Tudo obra sua, xuxu.

– Legal. Não, sério, legal. Só me explique como eu fiz, para poder reverter.

– Ah-ah. Tô desligando agora, amanhã já vou ter que aturar você de qualquer jeito.

– Sim, por favor vá viver a sua vida. Estava assistindo um filme demasiado legal na Sessão da Tarde.

E ambos rimos, porque não há nenhum filme na Sessão da Tarde que já não tenha passado pelo menos umas vinte e sete vezes. Neste ano.

– Tchau aí, T.

– Tchau, Z – despedimo-nos, ainda com um sorriso no rosto.

Deixei meu morrer, enquanto pensava em Josh noutra cidade. Será que ele se dará bem ou acabará tão solitário como o vemos por cá? Sinceramente, a pior parte é vê-lo para baixo e saber que não posso ir lá e contar uma piada qualquer ou convidá-lo para ir lançar uns cestos. O pior é saber que eu não tenho o direito de animá-lo, como fiz com Zac.

Espero que alguém naquela cidade seja legal o suficiente para fazer o que eu não posso.

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