Capítulo 31

Romeo and Juliet



POV Lisa

– Não! Zac, eu acabei de te dizer! Você tem que multiplicar primeiro ali e só depois pode somar atrás. Lembra? Multipli—

– Multiplicações e divisões têm sempre prioridade. Já tô lembrando. Mas e os parênteses?

– Os parênteses estão ao mesmo nível que as multiplicações e as divisões, por isso, nesse caso, você segue a ordem da equação – ele suspirou e me olhou com um ar capaz de partir o coração. – Ai, não me olha assim, vai. Você sabe que temos que fazer isto.

Ele suspirou de novo e deixou a cabeça cair sobre os livros. Sorri e apertei o ombro dele, tentando ressuscitá-lo da terra das vítimas da Matemática. Ele não levantou a cabeça de novo, mas voltou a cara para mim.

– Vamos deixar Matemática para amanhã.

– E o dever de casa? – perguntei firmemente, porém tornando meu aperto no seu ombro em uma massagem.

– Só tenho aula de novo na quarta. Amanhã ainda vamos a tempo – ele argumentou validamente, porém acrescentando seu biquinho à conversa – o que, parecendo que não, faz milagres no quesito “convencer a Lisa”.

– Tá bom – acedi, suspirando. – Mas temos que estudar outra matéria qualquer, amor. Ainda são três da tarde.

Ele voltou a virar a cara para o caderno aberto, suspirando. Pensei em perguntar o motivo de tanto desânimo, mas eu já sabia a resposta: Zac ainda estava tentando lidar com a ida de Josh e do pai. Seu domingo devia ter parecido vazio e, agora que estava comigo, estávamosestudando. Eu entendia – na verdade, eu sentia o mesmo – mas essa semana estaria cheia de provas. Eu não podia deixá-lo jogar as notas para o alto, logo agora que nos estávamos saindo bem.

Ele levantou a cara lentamente, passando as mãos nela. Fiquei observando-o, esperando uma resposta. A verdade é que se ele decidisse que não queria estudar mais, eu não o iria forçar e acabaria colocando um filme qualquer para assistirmos.

– Pode ser literatura, a prova é amanhã – sorri de canto, feliz e talvez até um pouco orgulhosa por ele não escolher apenas o caminho mais simples. Zac realmente tinha mudado nos últimos tempos.

– E com que parte você está tendo mais dificuldade?

Mal escutou isso, ele se voltou para mim, levantando ambas as sobrancelhas e colocando um pequeno sorriso irônico no rosto.

– Lisa, é Shakespeare. Eu estou tendo dificuldade com tudo!

– Mas o professor mostrou a versão nova na sua aula também, certo? Aquela com o Leonardo DiCaprio e a…

– Claire Danes – Zac disparou prontamente. Apertei os olhos – Que foi? Você também sabia que era o DiCaprio.

– Sim, porque ele é superconhecido. Titanic, alô?

– Ah sim, e ele é conhecido por quê? Porque é bom ator?

Levantei uma sobrancelha, não entendendo onde Zac queria chegar – melhor, não querendo admitir que entendia.

– Sim, repito: Titanic, alô?

– Claire também é boa atriz.

– Por favor, ela é uma insossa! Não se compara nem de longe a Leo.

Foi a vez de Zac arquear a sobrancelha.

Leo?

Corei um pouco, mas resolvi disfarçar.

– Sim, Leo, ué. É o apelido dele, né?

– Eu não sei, não faço parte dos contatos pessoais do Leo para saber quais são seus apelidos.

– Sabe que mais? Parou tudo – falei, fechando os olhos e levantando ambas as mãos. Zac me olhou, ainda meio chateado, mas curioso – É idiota a gente estar sentindo ciúmes de pessoas que nunca vimos e que nem sabem que nós existimos, certo?

Ele me encarou pensativo, mas logo riu. Acompanhei-o, chegando mais perto dele.

– É. Até porque nenhum DiCaprio consegue fazer frente à minha beleza extrema.

Ri, puxando Zac para um selinho.

– Isso é claro como água.

Ele pousou a mão na minha cintura, me dando um outro selinho.

– Vê? Estamos no clima perfeito para Romeu e Julieta.

Me afastei rapidamente dele e o fitei, desconcertada.

– Zac, você tem mesmo certeza que assistiu o filme todo?

– Sim… – ele me olhava confuso. – Por quê?

– Então você sabe que no final eles morrem, né?

Seu olhar de confusão e curiosidade desapareceu como num passe de mágica, dando lugar a uma expressão chateada.

– Isso era para ser piada, amor? É que humor negro vindo de você fica apenas assustador – Zac agora já ria perante minha cara de chateada. – Não, sério, fiquei até com medo que você me fosse matar, ou sei lá…

Sua linha de raciocínio foi interrompida, pois, enquanto eu me virava para a mesa, decidida a me focar no livro e ignorá-lo, ele resolveu me fazer cosquinha. O escusado mesmo é dizer que esse ataque terminou noutro beijo, certo? Me chame de manipuladora, mas resulta sempre que quero desviar a atenção de Zac. Não que me beneficie assim tanto, porque na verdade eu própria me esqueço de toda a situação assim que sinto seus lábios encostando meigamente nos meus, sua língua dançando ao redor da minha deliciosamente…

Espera aí, de que é que estávamos falando? Sabe que mais, nem me conte. Sou mais feliz pensando no quanto esse garoto é perfeito.

– A ideia era estudarmos, certo? – Zac perguntou num sussurro, ainda com os lábios quase colados aos meus. A única razão para eu saber isto era – visto que mantinha meus olhos ainda fechados – por sentir seu hálito bater neles.

– Conjugação perfeita do verbo ser no passado; estudar para quê?


***


Bebi outro gole de leite, enquanto Zac mastigava seu pedaço de torrada.

Acabamos por estudar, sim, mas demos apenas uma revisão geral pelas cenas mais importantes de Romeu e Julieta e pelas perguntas que o nosso professor – comum a ambas as turmas – tinha indicado e teria mais probabilidade de perguntar. Minha prova também seria amanhã, logo depois da de Zac, e assim meu estudo também já ficava adiantado.

A verdade é que, mesmo não sendo um grande aluno, era bem mais agradável estudar com Zac do que com qualquer outra pessoa – e não, não é pelas coisas safadas, ok? É que Zac tem um jeito diferente de olhar para as coisas e te ajuda a compreendê-las de outra forma também. O tempo todo que estudamos, ele ficou encarnando completamente o Romeu – e me forçando a interpretar Julieta, claro – e dando um humor a tudo que DiCaprio algum seria capaz de conseguir. Me lembre a razão dos ciúmes, sim?

– Hey, Lise…

– Hmm?

– Você pensa muito no futuro?

Dei um gole de leite rápido, tentando empurrar o resto da torrada que mastigava, para poder responder.

– Sim, claro. Você não?

– Penso muito. Quando demoro mais para adormecer, normalmente é nisso que estou pensando.

Sorri com a informação – eu também fazia muito isso.

– E o que você costuma ver?

– Hmm… A Paramore. Costumo ver a Paramore… fazendo sucesso – ele gesticulou com a mão, dando ênfase às suas palavras. – Sabe, a gente tinha um plano.

Parei para o observar curiosamente, depois daquelas palavras ditas não misteriosamente, como seria de esperar, mas em tom informal.

– Um plano?

– Mhm-hm. Para a Paramore, digo.

Assenti, ainda com as sobrancelhas franzidas de tanta curiosidade.

– E o que vocês planeavam?

– Treinar e compor o bastante durante o ensino médio, sabe, para ficarmos bons – assenti mais uma vez, incitando-o a continuar. – E depois, íamos todos para Los Angeles, procurar nossa chance.

– L.A.?! – quase me engasguei no leite. Ele estava falando daquela cidade enorme do outro lado do país?!

Zac riu da minha surpresa.

– Sim, L.A. A indústria musical está quase toda lá, não é mesmo? Mas claro que nós não planejávamos ter um contrato por esta altura. E muito menos que eu e Josh já não estivéssemos na banda…

– Mas isso é só temporário – cortei-o de imediato – e as meninas sabem disso.

– Com tudo o que aconteceu, não sei se é mais tão temporário assim, Lise.

Rolei os olhos para ele.

– Zac, mesmo que Josh não volte mais à banda, você continua tendo a sua posição. O que aconteceu com Josh tem a ver com Josh, não com você.

– Isso é fácil de dizer. Não sei é o que a Sra Farro vai achar de mim sozinho com aqueles “rockeirinhos” em L.A., sem nem fazer faculdade.

Espera aí, sem nem fazer faculdade? Uma imagem da minha sogrinha quase arrancando a cabeça a Zac passou correndo diante de meus olhos.

– Isso vai ser bem difícil. Talvez você tenha que sair sem o consentimento de seus pais.

– É, talvez… – ele suspirou.

– E você não quer mesmo fazer faculdade? – perguntei em mero tom de curiosidade. Ele parou para pensar.

– Não quero mesmo – ele respondeu passado um pouco, como se tivesse acabado de descobrir isso. – Eu me imagino vivendo da música, sabe? Não quero fazer outra coisa.

– Mas pode fazer faculdade de Música.

– Talvez até pudesse, mas normalmente as pessoas que fazem já têm aulas de música desde pequenas, sabe? Eu só tive poucas aulas de bateria, a maior parte do que sei aprendi sozinho ou com Josh. Só acho que não me ia dar bem.

– Talvez se desse. Talvez não. Mas é sempre bom ter a mente aberta, né?

Ele me encarou, sorrindo.

– Alguém está sábio hoje, né dona Lisa?

Respondi com uma gargalhada.

– Estou inspirada, me processe.

– Não vou processar, você tem razão.

– Bom que não processe mesmo, porque iria perder de qualquer jeito.

Ele colocou uma expressão chocada e levou uma mão ao peito, fingindo-se magoado.

– Caramba, e eu achando que você me ia até ajudar!

– No amor e na guerra vale tudo, meu lindo.

– E agora? Onde eu vou achar um advogado bom o suficiente para me defender de você?

– Ah, isso é simples.

– É? – ele me olhou, confuso.

– Claro! Você não acha. – Eu falei, completamente determinada, fazendo Zac rir como um louco. – E não me chame de metida, ok? – ataquei de novo, tentando controlar minhas gargalhadas. – Isso é autoconfiança.

– Autoconfiança?! Não, isso é convencimento, Lise, desculpa.

Deixei cair meu maxilar, fingindo-me de chocada dessa vez. Inclinei-me para ele, distribuindo pequenos tapas por seu braço.

– Você… é… um… péssimo… namorado! – marquei cada uma das palavras com um golpe.

– Mas por quê? – ele contra-argumentou, conseguindo finalmente agarrar meus pulsos. – Eu não disse que não achava isso atraente, não foi?

Fiz uma careta, zoando da sua estratégia, mas puxando-o para um beijo ao mesmo tempo. Seus lábios encostaram nos meus prontamente, envolvendo-os com aquela magia que me fazia esquecer de tudo. Sua língua percorreu o contorno dos meus lábios – não pedindo passagem, mas apenas… saboreando. Saboreando o momento. Saboreando o que nós tínhamos.

Porém, logo o beijo se aprofundou, levando-nos para a próxima fase de inconsciência – inconsciência essa que nos impediu de escutar a porta sendo aberta.

– Alô, chegamos!

Empurrei Zac para longe, com o susto, machucando mais meus lábios já vermelhos.

– Desculpa! – pedi, num sussurro. Entre o beijo, a chegada de meus pais e meu empurrão, ele parecia meio perdido. Ainda assim, logo se estava rindo de novo. – Que foi?

– Você toda estressadinha é engraçada – rolei os olhos enquanto me levantava, levando nossas canecas para a pia. Zac me seguiu, trazendo o prato das torradas.

– Alô meninos!

– Alô de novo, mãe – fui até ela, deixando um beijo estalado na sua bochecha, e logo depois me afastando para Zac fazer o mesmo.

– Oi, Zac.

– Boa tarde, Kate.

– Ah, quanta formalidade, menino! – Zac riu, já esperando essas mesmas palavras, e ela acabou por acompanhá-lo. – Tiveram um bom dia?

– Aham.

– Sim, estivemos estudando Romeu e Julieta.

– Uh, que clima romântico! – revirei os olhos perante sua brincadeira. Ela pousou os sacos de compras em cima do balcão e nós começamos a retirar as coisas de dentro, ajudando-a a arrumar tudo.

– Porque todos falam isso? Eles morrem! – realcei, enquanto me virava para levar o pacote de açúcar para o armário e dava de caras com meu pai entrando no cômodo.

– Oi juventude!

– Alô, Sr Cohen.

– Não é verdade, pai? – ele me olhou, confuso.

– O quê?

– Não é propriamente romântico quando os protagonistas morrem. É trágico e até um pouco idiota – não sou dessas que acha que as pessoas têm que ficar provando seu amor. Para que isso serve? Romeu e Julieta acabaram mortos, olhe que grande vida que eles partilharam!

– Ela está falando de quê, mesmo?

– Romeu e Julieta – minha mãe e Zac falaram em coro.

– Não é assim, filha. Romeu e Julieta foram vítimas das circunstâncias. Claro que é um amor levado ao exagero, mas tem que admitir que é reconfortante saber que tem do seu lado alguém que estaria disposto a morrer ou viver por você.

– Isso é doentio.

– Não, isso é a intensidade do primeiro amor. Você, melhor que eu, deveria entender isso – ele conclui, me olhando nos olhos. Revirei-os.

– Vamos parar de brincar de deixar Lisa e Zac desconfortáveis? Agradecida.

Meus pais riram e Zac também sorriu para mim. Fui para o seu lado, arrumando rapidamente no frigorífico as coisas que ele tinha colocado no balcão.

– Lisa, um dia, quer você queira, quer não, você vai entender o lado de Shakespeare.

– Me suicidar? Não, obrigada.

– Não se suicidar, fazer sacrifícios! Para já, você é jovem e tem liberdade de fazer tudo do jeito que você quer. Mas um dia, você vai ter responsabilidades, circunstâncias contra você, reviravoltas da vida… E aí você vai entender.

Parei para o fitar alguns momentos, mas notei o relógio por trás dele, vendo que já estava na hora de Zac ir. Peguei a mão dele.

– Ok, papai, obrigada pela lição.

Ele suspirou e foi conspirar algo junto com minha mãe, depois de dar tchau para Zac. Já nós, saímos da cozinha, indo pelo corredor até à porta de entrada, onde Zac já tinha deixado a mochila que agora colocava nas costas.

– Sério que você não entende o objetivo de Romeu e Julieta?

Parei para encará-lo, surpresa.

– Não. Pelo menos, não racionalmente – ele sorriu. – Você entende?

– Sim, eu entendo – ele me fixava, parecendo pensar em algo importante, mas que não estaria disposto a revelar. Puxei-o para um beijo de despedida, querendo esquecer toda essa conversa de amantes morrendo. Para mim, amar é viver. Como morrer faria algum sentido? Era o mesmo que desistir desse amor dito tão grande.

Mas meu pai tinha razão. A vida ainda daria muitas voltas.

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