Capítulo 32

Friends with benefits



Quarta-feira, 17 de Março
Taylor

Deus do Céu, como faz tempo desde que eu escrevo aqui! Acho que não tenho tido nem muito tempo, nem muita coisa sobre a qual escrever…

O que aconteceu comigo nesse último mês?

Josh acabou por ir para Baltimore, como Zac me contou da última vez que escrevi aqui. Aliás, ele embarcou logo no sábado seguinte. Nós pedimos a Justin e a Nate, irmão de Josh e Zac, para nos levarem até ao aeroporto e fomo-nos despedir. Era a última coisa que podíamos fazer por ele por agora e acho que falo por todos quando digo que não conseguiríamos viver conosco mesmos se não o fizéssemos. Ele ficou bem desorientado assim que nos viu, mas Nate conversou com aquele e, quando ambos regressaram do banheiro, ele – tão choroso quanto todos nós – nos agradeceu. Me senti um pouco perplexo, mas estava sobretudo dividido entre a alegria de ver esperança nisso e a tristeza por tudo o que aconteceu. Vê-lo despedir-se foi difícil, mas foi gratificante saber que ele estava recuperando a confiança em nós aos poucos e que talvez Baltimore vá ajudar nisso. Aliás, entretanto ele já regressou, mas só ficou o fim de semana de Páscoa e por isso, praticamente só saiu para ir à Vigília Pascal. Porém, Zac nos disse que ele tem andado melhor e que está gostando de tudo por lá… As coisas estão melhorando.

E sim, eu estou escrevendo isso com um sorriso.

Também temos tido montes de aulas e provas (isso já não teve direito a sorriso). O trimestre terminou há duas semanas, por isso tivemos muito trabalho até essa altura. A última semana, passamo-la – tirando o fim de semana de Páscoa – praticamente vivendo dentro do estúdio. Mas disso eu não me estou queixando, acredite! É tão… incrível! Temos crescido imenso ali dentro e, de algum jeito que eu ainda não entendi muito bem, temo-nos até apaixonado de novo pelas músicas. Tudo bem que ainda faltam uns dois terços do álbum, mas acho que já ter Pressure, Emergency, ter terminado All We Know a semana passada e começado Conspiracy ontem – tudo isso num só mês, lembre-se – é qualquer coisa de inacreditável.

E mesmo que você não concorde, tudo bem, porque Travis concordou e deu-nos o dia de hoje de folga. Ah pois é! E o que um bando de adolescentes faz num dia de férias e de folga? Não, não fica no Tumblr o dia todo, porque eu nem sequer tenho isso. SIM! Um milhão de reais para quem disse “assiste filme de terror”! Se não… caramba, você realmente não sabe nada sobre adolescentes…

Isso explica o que eu estava fazendo em frente à casa de Sarah às duas da tarde, certo? Não que eu realmente me importasse de estar lá se não fosse para ir para lado nenhum e… Pronto, calei.

Então, como estava escrevendo, eu cheguei à casa de Sarah e me aproximei da porta, apertando a campainha – como sempre faço. Não demorou para que a porta fosse aberta.

– Taylor, olá!

– Olá, Louise – retribuí o gesto da mãe de Sarah, que já me tinha puxado para um meio abraço. Há muito afeto entre nós, é.

– Entre, entre! Sarinha estará descendo daqui a pouco, tá? Ela se deitou tarde ontem à noite e tirou a manhã para dorm—

– Obrigada por pôr Taylor a par de tudo, mamãe. Também quer falar de como eu ressonei e falei em sarês toda a noite?

Revirei os olhos enquanto ria, alternando o olhar entre Sarah – que descia a escada em seus skinny jeans e camisa de flanela – e sua mãe.

– Iria falar se você não se tivesse adiantado! Ah, e você não falou em sarês toda a noite. Tinha algum inglês lá pelo meio também, pelo menos na parte que eu escutei. E olhe que foi uma parte bem interessante… – Louise rematou, indo já em direção à cozinha. Sarah respondeu apenas com um revirar de olhos, mas eu podia jurar que vi seu rosto ganhar uma corzinha. Eu curioso para saber o que ela tinha sonhado? Imagina.

Ela não falou nada até chegar em mim e me abraçar.

– Oi para você que vai assistir Paranormal Activity.

Ri com vontade. Ela andava resmungando sobre isso desde que ficou combinado.

– Você também vai assistir, sua boba!

– Eu juro que eu me escondo no armário se me obrigam a ver… essa coisa – ela realçou suas últimas palavras com uns gestos e uma expressão bem expressivos. Revirei os olhos.

– O que você preferiria assistir, então?

– Qualquer coisa, menos isso!

– Ah, tá. Então vamos buscar Jogos Mortais a minha casa.

– EEEWWW! Você tem Jogos Mortais em sua casa?! Nunca, mas nunca mais entro lá!

Não consegui evitar rir de novo de sua expressão – porém, essa não foi uma atitude muito inteligente, pois recebi um belo safanão no braço. Como se essa Polegarzinho me conseguisse magoar.

– Ei! – dei minha melhor cara de emburrado, enquanto esfregava a zona que ela tentou machucar – Não faz isso, Polegarzinho.

Ela estava alinhando na brincadeira até escutar o apelido e suspirar. Ela o odiou a partir do primeiro momento em que o falei. Essa foi, claro, a razão pela qual ele ficou.

– Você não vai desistir disso, não? – ela falou com voz cansada, à medida que me dava costas e pegava suas chaves da gaveta do móvel de entrada.

– De quê, Polegarzinho?

Recebi um bufar em resposta e outra palmada no braço.

– Tchau mamãe! Até logo!

– Adeus, Louise.

– Tchau meninos, se cuidem!

Pouco depois, já estávamos cá fora, caminhando em direção à casa de Jeremy, a apenas algumas quadras de distância. Mas o que não fica a alguma quadras de distância em Franklin?

– Então, me conte porque não gosta de “Polegarzinho”.

– Por onde eu começo? – ela perguntou retoricamente, porém fingi que não entendi.

– Por algum lado. Ou conta isso, ou seu sonho. Agora escolha.

Ela parou de andar para me fulminar com o olhar – o que, 100% das vezes, significa que ela está a ponto de perder a cabeça. Mas deu também para notar a corzinha de novo e eu não consegui deixar de rir. O que foi uma atitude idiota, porque Sarah bufou e saiu disparada à minha frente.

– Ei, pronto – falei, alcançando-a e pegando sua mão. Visto que ela não a retirou de imediato, como costuma fazer quando está realmente chateada, tomei isso como um sinal positivo. – Que foi? Você está irritadiça hoje.

Ela me olhou de canto e torceu os lábios, como quem considera se deve ou não contar algo que não quer.

– Tô de TPM – ela admitiu num fio de voz, porém tomando logo um tom bem mais decidido –, e é bom que não ouça nenhuma piada sobre isso!

Sorri e larguei sua mão, passando antes meu braço por sua cintura, de forma a puxá-la mais para mim. Ela imitou meu gesto, apoiando sua cabeça no meu ombro.

– Mas sério, porque você odeia tanto Polegarzinho?

Ela bufou e levantou a cabeça, mas não se afastou.

– É um apelido feio, Taylor Benjamin York!

– Feio?! A garota é a coisa mais pequenina e fofa, todo o mundo quer casar com ela!

– Tudo ao contrário de mim! Para além de que você só decidiu me apelidar assim porque eu tenho polegares curtos. Mas eu gosto de meus polegares curtos!

Ri de sua frase falada com convicção.

– Ainda bem, mas posso garantir que seus polegares curtos não foram chamados ao caso, bobinha.

Ela me fitou de sobrancelha arqueada, como se não acreditasse e, ainda por cima, me estivesse desafiando.

– Ah não? Nem um pouco?

– Bem… – ela semicerrou os olhos, concluindo que me tinha pego. – Tá, só um pouquinho. Mas a maior parte é mesmo porque você é pequenina e fofa e todo o mundo quer casar com você.

Ele me olhou como se eu fosse doido de uma forma bem expressiva, o que desencadeou tanto meu riso, como o dela – fazendo com que ambos ríssemos perdidos no meio daquela rua fria de Franklin. Pelo menos já estávamos em pé de igualdade no que toca à loucura.

– Só você para me tirar da fossa – ela, de certa forma, agradeceu, parando de rir aos poucos.

– Awn, também te amo, Polegarzinho – abracei-a com força, antecipando um golpe pelo uso do apelido que não veio. Oh, que lindo, ela está se conformando. Bem, nem sei se Polegarzinho tem tanta graça assim…

– Que bom, mas eu não disse que te amava.

– Ah, não se preocupe. Estará implícito quando os demônios aparecerem e você precisar de meus fortes braços para te passar segurança—

– Você anda lendo romances a mais, Tay. Tenho que comprar um livro a sério para você.

– Ei, Tio Sparks escreve livros sérios!

– Você leu Nicholas Sparks?! – ela parou para me fitar, incrédula. Olhei para os dois lados, antes de voltar a focar nela.

– É… Mas foi só aquele pequeno… Como se chama? “Um Amor Para Recordar”, é. Li esse.

Ela me olhou perplexa, até seus olhos se alargarem – se possível, ainda mais –, como se algo acabasse de atravessar sua ideia.

– Vo-cê-cho-rou? – ela perguntou muito lentamente, como se estivesse tentando imaginar algo equivalente a um círculo quadrado. Voltei a andar, fitando a rua à nossa frente de novo – Taylor?! Você chorou?!

– Você já leu esse, né? – ela já me tinha alcançado e bastou-me olhar para o lado para vê-la assentir – Então o que acha?

– AWWWWN! – ela praticamente gritou e me abraçou. Revirei os olhos.

– É por isso que eu não conto às pessoas quando leio Sparks.

– ESPERA! Você já leu mais?!

Esfreguei a cara, vendo o fosso no qual me estava afundando. As pessoas têm que fazer algo quando estão aborrecidas, né? E eu já disse que não tenho tumblr.

– Li “Um Porto Seguro”. Esse é legal porque não é sobre adolescentes. E tem armas.

– Idiota – ela golpeou meu braço (como já deu para notar que ela ama fazer), mas continuou sorrindo. Fiz uma garota de TPM sorrir, diz que não sou o homem perfeito!

Logo estávamos chegando à casa de Jeremy – porque né, não era tão longe assim. Dessa vez, tocamos à campainha normalmente (o que, parecendo que não, é um grande feito, já que sempre arranjamos alguma brincadeira idiota para animar o momento chato de atender a campainha. Que bons amigos somos).

– Olha vocês tocando à campainha como gente normal! Que orgulho, meus bebês estão crescendo – quem é você para falar de nós, hein Jane? Uma vez, ela tocou bateria na porta de Sarah até alguém a abrir. A sorte mesmo foi não estar mais nenhum Bayley em casa…

– Oi para você também, sua chata – Sarah a abraçou e eu toquei a mão dela. Esse é nosso entendimento de cumprimento. Entrei e, seguindo as duas, me dirigi à sala. Zac e Lisa estavam recostados no sofá.

– Hello, preguiçosos!

– É, bronqueie-os! Eu estou na cozinha faz meia hora só para fazer esse todo de pipoca para vocês! – Jeremy aparecia da outra porta da sala que dava para a cozinha, carregando dois potes abarrotando de pipoca – Janey, pega lá o outro pra mim?

– Não se me chamar Janey.

– Gente, que deu nas garotas hoje, que estão odiando todos os apelidos?! – todos me olharam confusos, tirando Sarah, que revirou os olhos ostensivamente.

– Aaaahhh, o lance de “polegarzinho”! – Jeremy entendeu – talvez por ver Sarah tão aborrecida – e riu, deixando a pipoca em grave risco de cair. Jane pegou um dos potes e Zac apenas precisou estender o braço para pegar o outro.

– Foi uma ideia muito legal, Tay – Jane me congratulou, enchendo a boca de pipoca ao mesmo tempo. Se não fosse ela amar vestidos, saltos e maquiagem, eu poderia jurar que ela é um rapaz disfarçado de garota.

Jeremy, que tinha estado ocupado em rir, viu o tanto de pipoca que Jane engolia e, notando as mãos vazias, deu de ombros e regressou à cozinha, pegando o outro pote. Entretanto, eu e Sarah nos sentamos nos dois lugares disponíveis do lado de Lisa. Essa era a única desvantagem da casa de Jeremy. Para uma família de duas pessoas, um único sofá de quatro lugares está ótimo. Para um bando de 7 adolescentes, nem tanto…

– EI! Esse era meu lugar! – Jane protestou audivelmente, ainda com pipoca na boca. Que imagem linda. Note a ironia.

– Desculpa aí, amiga. Foi namorar, perdeu o lugar.

– Até parece! Olha que eu não virei espelho, né dona Sarah? Mas considerando novamente, vou deixar o sofá para os casais lindos e me deitar no tapete mesmo, porque ninguém me ama.

– Você tem um pote de pipoca na mão, Jane. Alguém claramente te ama. Olha minhas mãos abanan—

E não pude falar mais nada, pois no exato momento em que eu levantava as mãos para as abanar, Jeremy pousou o pote cheio que trazia da cozinha nelas.

– Também te amo, irmão – fingi quase chorar, puxando Jeremy para um abraço muito estranho, considerando que eu estava sentado e ele em pé.

– Que lindo, nosso bromance – Jeremy distribuía palmadinhas nas minhas costas.

– É, mas não vai ganhar lugar no sofá.

– Nem por ser na minha casa!

Ele me largou e bufou na hora, deitando-se do lado de Jane.

– Não se deite! E agora quem vai pôr o filme?! – Sarah protestava.

– Eu não – Zac.

– Eu também não – Lisa se apressou a completar.

Olhei para Sarah com uma expressão pidona.

– Nem pense que eu vou tocar naquele DVD maldito! – caramba, pensei que minha cara fofa tivesse mais impacto. Me levantei e peguei a caixa por cima da TV. Mas aí eu notei algo…

– Ei, onde está Hayles?

Bastou falar isso, que a campainha tocou. Bufei, pousando a caixa do DVD de novo no sítio. Nem me preocupei em perguntar se alguém mais queria atender, já sabia qual era a resposta. Rapidamente cheguei à porta, que ficava na pequena entrada mesmo ao lado da sala. Me preparei para o que viria, pulando no sítio e rodando a cabeça. Então, abri a porta com força e, fazendo uma cruz, gritei “EU TE EXORCIZO, DIABO!”. Era uma piada por ela chegar exatamente na hora em que eu perguntei por ela, sabe? Só que, quando eu finalmente abri os olhos, vi que não podia estar mais errado…

– Jeremy, olha o carteiro! – e fui em direção à sala, sendo recebido por uma explosão de gargalhadas e por palmadinhas de um Jeremy que já se tinha levantado e passava por mim, indo na direção oposta.

Me sentei do lado de Sarah de novo, mordendo o lábio inferior e escondendo minha cara e, esperançosamente, minha vergonha, atrás das mãos.

– Desculpa aí, Jerry, Taylor pensava que era outra amiga nossa.

– Não, tudo bem. Diz que, se ele treinar mais um pouco, ainda pode entrar no próximo “Exorcista”.

– Haha, direi. E vem aí a tal amiga! Oi Hayles!

– Oi… O que tá acontecendo aqui?

– Fui confundido com você. Acho que foi do cabelo.

E aqui até eu ri, porque apesar de mal ter olhado para Jerry, deu para notar que ele era careca.

– Tchau, gente. CORAGEM COM OS EXORCISMOS, TAYLOR!

– VALEU, JERRY!

Você sabe que é um cara sortudo quando, em vez de apanhar um daqueles carteiros mal encarados, você paga o mico com alguém ainda mais louco que você. Obrigado, Senhor.

Por outro lado, você também sabe que é um cara sortudo quando – depois de tudo devidamente explicado a Hayley (que riu ainda mais que nós), e o filme assustador colocado não por mim, mas sim por Jeremy – você passa o resto da tarde sentado no sofá, com a garota de quem você gosta praticamente abraçada a você o tempo todo. Há quem diga que os filmes de terror não servem para nada. Eu ainda acho que o primeiro Drácula foi escrito por um homem extremamente inteligente que descobriu que, assustando uma mulher, ela admite que precisa de você mais facilmente. A não ser que elas sejam Jane ou Hayley. Aí, fuja. Eu não sei se fiquei com mais medo do filme ou do riso delas nas piores cenas. Foi macabro.

Enfim, amanhã, quando estiver no estúdio, ficarei com medo delas – sobretudo de Jane tocando bateria à louca, como sempre. Mas isso será só até me perder na música de novo. Aí, eu esquecerei tudo o resto e, desta tarde, só lembrarei da felicidade. Bom compromisso, não acha?


POV Jane

Peguei o último pote de pipoca largada no sofá e segui para a cozinha. Estava esperando minha mãe vir me pegar, já que ela largava o turno mais tarde e estaria passando naquela rua de qualquer jeito daí a um quarto de hora. Me aproximei da pia, onde Jeremy – para minha surpresa – já esfregava a louça, e pousei o pote no balcão.

– Estamos produtivos, hein Sr. Davis?

Ele levantou para mim seu olhar azul pela primeira vez desde que entrei no cômodo e riu, exibindo seus dentes impecáveis. Dei por mim sustendo a respiração perante sua gargalhada um pouco rouca e desviei minha atenção de imediato para a louça.

– Só não estou é a fim de levar um sermão da Sra. Davis.

– Ah! Agora entendi. Bem que não estava te reconhecendo…

– Hey! – ele apontou uma colher ensaboada à minha cara, por pouco me acertando com espuma. – Está me chamando de malandro?

Ri da sua falsa expressão de raiva.

– Eu não te chamei de nada, ora! Você foi quem decidiu colocar essa palavra na minha boca – falei do jeito mais inocente que consegui, logo mudando para um tom autoritário. – Agora volte ao trabalho, seu malandro!

Ele não conseguiu impedir outra gargalhada, mas recuperou seu ar sério de imediato.

– Eu vou voltar – ele ainda brandia a colher na minha direção –, mas é só—

– Porque não está a fim de levar um sermão da Sra.Davis, já sei.

– É. E já agora, deixe de ser malandra você, pegue no paninho e seque essa louça aí, que tem bracinhos bons para isso! Ai, essa juventude de hoje…

Peguei sim o pano, mas foi para tacá-lo em Jeremy.

– Seu babaca! Você só tem mais dois anos que eu!

– Mas já são anos suficientes para ganhar juízo.

– Ah, certo. Deixe-me reformular, então: você só tem mais dois anos que eu, mas tem menos dois de juízo.

Ele me olhou primeiro com indignação, mas sua expressão se tornou gradativamente numa ameaça. Não no sentido agressivo, mas no travesso. E acredite, isso é bem pior.

Pelo menos, foi isso o que eu entendi quando ele me acertou em cheio na cara com uma mão cheia d’água.

– Já que tenho a reputação…

Sabe aquela expressão que as pessoas fazem momentos antes de explodirem? Sim, essa mesmo que sua mãe faz antes de começar a gritaria. Pelos vistos, é a expressão que a Sra. Davis faz antes de começar um ataque de cócegas ou de contar uma piada ótima, porque em vez de ficar com medo, como qualquer pessoa normal, Jeremy ria às gargalhadas.

Ria.

Da minha cara de pura raiva.

Peguei a esponja com que ele esfregava a louça e – como ele ainda estava distraído rindo, o idiota – espremi-a em cima da cabeça dele, restos de comida e tudo. Bem feito!

E ok, esse é ele, ainda dividido entre o choque e a indignação, me empurrando de costas contra a pia. E esse frio nas minhas costas é ele atirando a água da pia às minhas costas. Filho da…

– ME SOLTA, CAPETA!

Ele apenas riu mais e continuou sua árdua tarefa de encharcar minhas costas. Tentei me soltar, mas o desgraçado tinha me prendido entre o balcão e seu próprio corpo. Soquei, golpeei, chutei e tenho quase a certeza que até mordi a dada altura, mas ele parecia nem sentir. Claro, estava demasiado ocupado em infernizar minha vida e rir disso!

Chegou uma hora em que ele, ou porque a água tinha acabado ou porque já tinha encharcado minhas costas todas – estou apostando mais na segunda opção –, parou de me molhar e deitou a cabeça no meu ombro, rindo que nem um louco. Eu ainda estava tão incrivelmente perplexa com aquilo tudo, que demorei para reagir. Quando finalmente despertei, dei-lhe um belo safanão no ombro, o que o fez levantar a cabeça – porém não parar de se rir, como eu pretendia.

Sabe o que dizem, né? Quando não os consegue vencer, junte-se a eles. É, só não foi nessa lógica que acabei rindo junto, porque, naquela hora, a lógica era algo inatingível. Para ser sincera, acho que as razões para minhas gargalhadas estavam mais ligadas com os arrepios que corriam minha espinha – não pelo fato de ter as costas encharcadas até aos ossos, mas pela proximidade de Jeremy, cujo riso me estava realmente… inebriando.

Nós não mantínhamos contato visual, até à hora em que paramos de rir. Quando isso aconteceu, seus olhos encararam os meus e foi como se algo explodisse no meu estômago.

O próximo momento do qual tomei consciência foi quando seus lábios encostaram nos meus.

Um milhão de sensações fizeram mais arrepios correr, mas a única coisa que eu conseguia pensar era que queria mais. Minha mão foi até sua nuca e o puxou mais contra mim, aprofundando o beijo e o deixando urgente. E, meu Deus, como eu me sentia bem! Eu—

EU NÃO POSSO FAZER ISSO!

Você enlouqueceu, Jane Streep. Pirou! Só pode.

Você. Está. Maluca.

É a única explicação!

Minha mente tinha virado um verdadeiro pandemônio. Empurrei Jeremy e, apanhando-o desprevenido, facilmente me desprendi e caminhei em passos largos até à porta do cômodo.

– O qu—Ma—Onde você vai?!

Passei as mãos pela cara, parando e dando meia volta.

– Lugar nenhum – suspirei.

– Desculpe-me.

Levantei o olhar para ele finalmente. Sua expressão de desilusão e arrependimento só me fez sentir pior.

– Não precisa se desculpar – descartei de imediato. Meu tom baixou para pouco mais que um sussurro. – Afinal de contas, eu também te beijei.

Senti Jeremy me encarando, mas não me atrevi a olhar de volta. Mantive os olhos fechados e as mãos sobre a cara.

– Mas… Mas o que aconteceu? Digo, porque você está assim?

Finalmente ganhei coragem e levantei o olhar. Ele ainda parecia magoado, mas agora estava mais confuso.

– Porque você vai achar que… - eu fiz um movimento estranho com as mãos, numa tentativa frustrada de me explicar, o que o fez arquear uma sobrancelha, mas também aliviar bastante sua expressão. Suspirei de novo. – Porque a gente vai ficar se agarrando sempre que der e você vai achar que temos um “relacionamento” e depois vai fazer um pedido todo meloso e fofo que nem Zac e eu vou me sentir uma bruxa frígida por ter que dizer não e partir seu coração!

Ele franziu as sobrancelhas, enquanto eu tentava recuperar o ar depois de ter falado tudo isso num só fôlego.

– Primeiro: eu não sou meloso e fofo que nem Zac. De meloso tenho zero por cento, e de fofo tenho bem mais que ele. Segundo: porque você vai ter que dizer que não?

Revirei os olhos perante suas piadas, realmente irritada por ele estar levando aquilo de forma leve. Provavelmente estava convencido que mudaria minhas ideias. Mas isso não iria acontecer.

– Porque eu não quero… namoros. Blagh.

– E porque não?

Porque ele continuava insistindo? Meus nervos estavam realmente no limite.

– Porque sou muito nova! Quero poder… sei lá, me mudar amanhã mesmo para a Austrália e não deixar ninguém de coração despedaçado! – pousei o olhar no de Jeremy, depois de falar tudo isso para o teto. Ele me olhava com um sorriso de canto e uma sobrancelha arqueada.

– Austrália?

Ri, tentando me acalmar. Meu coração estava completamente descompassado perante a possibilidade de algo que eu simplesmente não podia deixar acontecer.

– É, Austrália…

Jeremy parou de rir e suspirou.

– Eu acho que entendo. Você não quer definir já tudo, fechar portas, arrumar impedimentos… Eu sinto o mesmo, na verdade.

– Então para quê nesse mundo você quer um relacionamento?!

– Eu não disse que queria, mas se viesse… - ele encolheu os ombros – Você é bem especial, Jane.

– Aaahh, por favor não diga que está apaixonado, porque isso não é verdade! Eu sei disso e você também, não vamos fingir.

Ele suspirou, cruzando os braços e se recostando na borda da pia.

– Não, não estou apaixonado por você. Mas atraído sim, e você sabe disso.

– Então você quer um relacionamento baseado em atração? Isso é fútil!

– E qual seria sua sugestão brilhante, posso saber? – ele elevou seu tom sobre o meu, cansado de nossa conversa estranha. Bem, ela ficaria pior.

– Já ouviu falar em amizade colorida?

Ele me fitou incrédulo por alguns segundos. Era como se algo o tivesse atingido na nuca, congelando sua expressão atônita. Eu avisei, não foi?

– Agarração sem compromisso, é isso o que você quer?!

– Melhor do que compromisso baseado em agarração, não é mesmo?

Ele ia rebater, mas parou para pensar antes. Sua testa se franziu e a mão que levantara para acompanhar o que ia dizer continuava suspensa sem motivo aparente. Esperei que ele processasse minha sugestão. Não tinha como não concordar, era a solução perfeita.

– Você tem razão! – ele falou, com a cara iluminada, como se acabasse de entender o maior mistério da Terra – Você tem toda a razão! É… perfeito!

– Isso quer dizer que você topa? – disse, rindo.

– Bem… sim. Quer dizer, eu acho. Como a gente faz isso?

– Hm, em primeiro lugar, é preciso algumas regrinhas básicas para as coisas não se confundirem.

– Regras? – ele me olhou desagradado.

– É, regras. As coisas têm que ter regras pra funcionar, Jeremy.

– Falou a única pessoa que odeia mais regras que eu.

– Eu não odeio regras, só não gosto de obedecer por obedecer!

– Iiih, tá, tá! Acabou. Vamos falar da nossa situação agora?

– Pode chamar do que é: amizade colorida. Assim mesmo.

– Gosto mais de amizade com benefícios. Amizade colorida é um pouco gay.

Tive que parar para o olhar. Colorido é gay? Ah, bem… pronto, ele tem sua razão. Abanei a cabeça.

– Tá, como você quiser. O que interessa é que não chame isso – seja o que isso for – à nossa amizade em frente a ninguém.

– Ninguém?

– Ninguém.

– Mas porquê ninguém? – ele perguntou, dando a mesma entoação que eu.

– Porque essa é a piada. Somos estritamente amigos em público, porém nos agarramos secretamente.

– Isso não é uma relação secreta? Ou um caso?

– Não quando a gente acordou antes que não ia ter um relacionamento.

– Certo. E tem mais alguma regra?

– Sim. Nada de ciúmes.

– Nada de ciúmes? – ele perguntou, já torcendo o nariz. – Mas eu vou ter ciúmes.

– Mas não pode, Jeremy! Só namorados têm ciúmes.

– Ah, isso não é verdade! Taylor e Sarah não namoram e todos vimos o quanto de ciúmes Sarah teve quando Mariah decidiu vir atormentar nossa paz.

– Verdade. Vou corrigir então: só aspirantes a namorados têm ciúmes. Entende? Mais tarde ou mais cedo, Taylor e Sarah irão namorar. Nós não.

– Nunca? E se eu me apaixonar por você?

Passei as mãos pela cara. Ele nunca assistiu nenhum filme sobre o tema?

– Não pode, Jeremy! Aliás, eu me recuso sequer a te tocar daqui para a frente se você não prometer aqui e agora que não se irá apaixonar por mim.

– Mas e se—

– Prometa, Jeremy!

– Ai, tá! Eu prometo nunca me apaixonar por você, porque você é chata demais!

– Ótimo! – me regozijei. Ele achar que eu sou chata é algo bom – mesmo que eu não seja realmente chata, né? Mas é preciso ter algum defeito, mesmo que seja um falso.

– Suas regras acabaram ou não?

– Hm, deixe ver… É secreto… Nada de ciúme… Nada de se apaixonar… É, é isso.

– Então se está tudo tratado, podemos selar o acordo?

– Com certeza – estendi a mão. É assim que se sela acordos, né? Apertando as mãos, digo.

Bem, não para Jeremy.

Ele olhou para minha mão com desprezo e me enlaçou pela cintura, me puxando para um beijo rápido, mas gostoso.

– Amigos coloridos.

– Amigos com benefícios.

– Sim, amigos com benefícios.

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